Janeiro de 1925. Sete anos se passaram desde que a Primeira Guerra selou o fim de três impérios, o austro-húngaro, o russo e o otomano. Sobre as ruínas do primeiro se ergue a União Soviética, inaugurada pela revolução de outubro de 1917, apesar de uma guerra civil entre os Exércitos Vermelho e Branco que deixou um saldo de 12 milhões de mortos e 5 milhões de órfãos. Uma república turca, proclamada no início de 1924, dá um golpe inexorável sobre o segundo, o qual todavia manteve a Europa em alerta durante quatro séculos.
Outros impérios, o britânico e o francês, livrando-se de um negócio arriscado, logo monopolizaram o Levante, a ex-província otomana de Cham ou Grande Síria, daí em diante o Oriente Próximo e o Oriente Médio. O fato é que, enquanto a Grande Guerra estava a todo vapor, no início de 1916 britânicos e franceses selaram às escondidas, sob o olhar dos russos e nas fuças dos otomanos, o famoso Acordo Sykes-Picot que divide e partilha os despojos do Grande Turco. Londres mostrou preferência pelo Iraque, a Jordânia e a Palestina, e Paris pendeu para a Síria.
As promessas de Londres
Devido à doutrina formulada em 14 pontos e publicada em edito pelo presidente americano Woodrow Wilson, segundo a qual todo povo colonizado tem vocação para se alforriar e aceder à soberania sob o império máximo do direito internacional, Londres prometeu aos árabes a criação de um Estado árabe independente cobrindo quase toda a ex-província otomana da Síria. Mediante essa promessa, o xerife de Meca, antepassado da dinastia haxemita que finalmente herdaria a Jordânia, consentiu em juntar as tropas inglesas, sob a liderança de Lawrence da Arábia, a fim de tirar os turcos do Levante “árabe”.
Declaração Balfour para a criação de um “lar nacional judeu”
Um ano depois, em meados de outubro de 1917, os bolcheviques, novos senhores da Rússia, revelam e denunciam o Acordo Sykes-Picot, que a seu ver era a prova cabal da natureza “pérfida” do imperialismo. Com a mentira desmascarada, os franceses e os britânicos não podem mais esconder seu jogo. Assim, um mês após São Petersburgo, Londres, fortalecida com sua penhora sobre a Palestina, se engaja na Declaração Balfour, que pretendia criar “um lar nacional judaico na Palestina”. Balfour é o nome do ministro britânico de Relações Exteriores que anuncia em carta aberta a seu compatriota Lionel Walter Rothschild, luminar do movimento sionista, o estabelecimento de um futuro Estado para o povo judeu, em detrimento do povo palestino. O jornalista britânico Arthur Koestler, judeu de origem húngara, cravou no calor da hora a melhor definição sobre essa medida controversa: “Uma nação prometeu solenemente a uma segunda nação o país de uma terceira”.
Por outro lado, após enxotar os turcos, as tropas árabes que se instalam em Damasco proclamam em 7 de março de 1920 o Reino Árabe prometido pelos mesmos britânicos que anunciaram a criação de um “lar judaico” em uma Palestina já trinchada da Síria e entronizam Faiçal, filho do xerife de Meca. No mês seguinte, a França, que obtém o mandato sobre a Síria, resolve pôr o novo Estado a pique imediatamente, com o uso de canhões e até da aviação até aniquilá-lo em julho.
Nascimento do Líbano sob a autoridade francesa
No final do ano de 1920, os franceses separam da defunta província de Cham o Estado do Grande Líbano, segundo um corte territorial que lá impõe uma maioria de cristãos maronitas, na verdade católicos, da qual a França “republicana e laica” se diz a “protetora” desde São Luís.
No início de 1925, a França e a Grã-Bretanha haviam dividido a área em cinco partes territoriais, esboços de futuros Estados ainda sob mandato britânico ou francês. O que restava da Síria foi subdividido em quatro zonas (Latakia, Jabal Druze, Alepo e Damasco), que deveriam servir como bases de vários Estados, nada menos que oito países soberanos em projeto, causando a revolta dos sírios. Assim, mal chegou a Damasco, em 2 de janeiro, o general Maurice Sarrail, o novo alto-comissário na Síria, é interpelado pelos notáveis do Partido do Povo, o qual exige a unificação e a soberania do país.
Os drusos de Golan, aos quais Paris prometera um Estado próprio, se insurgem com armas nas mãos e sua revolta inflama o país. A repressão é implacável, mas o uso massivo de artilharia, da Legião Francesa e da aviação não freia os nacionalistas que fazem um levante na cidade de Hama e propagam a insurreição até Ghouta, a fértil região agrícola em torno de Damasco. Por falta de uma opção melhor, Paris destitui Sarrail, mas o conflito continua acirrado.
Tudo se precipita no decorrer desse ano repleto de reviravoltas históricas, crises e dramas. No leste, o último rei da dinastia Qadjar é deposto no Irã e o xá Reza Pahlavi assume o poder. No norte, após aplaudir a repressão da revolta islamista pró-califado conduzida pelo xeque curdo Saïd, o recém-criado parlamento turco de Ancara adota uma lei proibindo o uso do turbante, do fez e do lenço islâmico. No sul, em Jedá no Hejaz, Medina sucumbe às tropas de Ibn Saud, obrigando o último haxemita, filho do xerife de Meca, a deixar a Arábia que logo irá se tornar “saudita”. No oeste, a milícia independentista do Rif invade o Marrocos sob o protetorado francês. Um certo Philippe Pétain corre para ajudar o sultão, depois seguido pelo futuro marechal Lyautey.
Na Europa, os acontecimentos se precipitam tanto no nível das artes, com a iluminação da Torre Eiffel e a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas na França, quanto no da grande política, com Adolf Hitler lançando o primeiro volume de seu livro Mein Kampf (Minha Luta) e o italiano Benito Mussolini se proclamando ditador e refundador do Império Romano. Em Paris, Georges Valois funda o partido fascista Faisceau, com o apoio de dissidentes da Ação Francesa. Enquanto isso, os Estados Unidos acompanham o “julgamento do século”, também chamado de Julgamento do Macaco de Scopes, que questiona a teoria da evolução de Darwin.
Um século depois, os povos do Oriente Próximo e do Oriente Médio continuam se debatendo no seio de Estados concebidos offshore, verdadeiros leitos de Procusto demasiado grandes ou frágeis demais, sob as sombras das ex-potências tutelares.
– Tradução de Thaïs Costa
– Artigo publicado no site da emissora TV5 Monde em Paris: (https://information.tv5monde.com) em 7 de janeiro de 2025.
O autor tem dois livros lançados no Brasil: A poesia árabe moderna e o Brasil (Editora Brasiliense, 1982) e A poesia árabe moderna entre o Islã e o Ocidente (Almádena Editora, 2024, com versão gratuita em e-book que pode ser baixada em www.almadenaeditora.com





1 Comment
Interessante e bastante esclarecedor!