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Ancestralidade, genética, epigenética em Medawar e Patapoutian

Assim como a botânica ensina que a dispersão de sementes amplia a germinação da espécie para sítios distantes da planta mãe, a antropologia mostra a dispersão de genes dos habitantes das cercanias do Cedro do Líbano produzindo múltiplas ramificações civilizatórias em várias partes do mundo. Numa fortuita conjunção entre ancestralidade, genética e epigenética, a dispersão dos libaneses encontrou um especial acolhimento no Brasil, sobretudo a partir do final do século XIX, quando várias correntes imigratórias se fixaram nas diferentes regiões do País. Como consequência demográfica, a formação de gerações de libaneses e seus descendentes constituindo uma ampla comunidade Líbano-brasileira, atualmente estimada entre 7 e 10 milhões de cidadãos.

Recentemente, envaidecidos, os libaneses assistiram um americano de origem armênio- libanesa, Ardem Patapoutian, ser laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, em 2021, por descrever como o calor, o frio e a força mecânica podem gerar impulsos nervosos que nos permitem a percepção e a adaptação do mundo ao nosso redor.

Historicamente, a concessão desta grande honraria à uma “semente dispersa do Cedro” não representa fato singular e os anais guardam relação direta com o Brasil.

Peter Brian Medawar nasceu em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, o que lhe conferiu cidadania brasileira. Peter se tornou um dos maiores cientistas do século XX e foi agraciado com o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, em 1960. Filho de Name Medawar, libanês nascido em Jounieh, um bem sucedido comerciante de instrumentos ópticos/odontológicos na Inglaterra, onde se casou, com a inglesa Edith Muriel Dowling.

Ambos chegaram ao Rio de Janeiro em 1913, para fundar a Óptica Inglesa. No Rio, a família Medawar morava em Copacabana e matinha residência de veraneio em Petrópolis, na região serrana. No verão de 1915, às 17:30h do dia 28 de fevereiro, Peter veio ao mundo na cidade fundada por D. Pedro II, conforme consta em registro civil feito em 10 de março, no cartório local. Curiosamente, em 1876, o próprio Imperador foi ao Líbano e na ocasião convidou os libaneses a imigrarem para o Brasil.

O que o monarca provavelmente não contava era que 39 anos depois a sua cidade seria o berço de um cientista tão diferenciado e mundialmente reconhecido. O menino foi também registrado no consulado britânico do Rio de Janeiro e viveu no Brasil até os 13 anos quando, acompanhado de sua irmã Pamela, partiu para a Inglaterra para realizar os estudos secundários.

Peter se destacou nas ciências biológicas e desde cedo se dedicou à pesquisa, recebendo bolsa de estudos do Governo Britânico. Na sua maioridade, solicitou a Salgado Filho, seu padrinho e Ministro da Aeronáutica, para ajudá-lo a obter a liberação do seu serviço militar obrigatório no Brasil. Na época, o Ministro da Guerra do Presidente Getúlio Vargas, general Eurico Gaspar Dutra, não atendeu ao pleito do estudante petropolitano e colocou em questão a sua cidadania brasileira, caso não cumprisse aquela obrigação. Desde então, o jovem passou a utilizar apenas a sua cidadania britânica.

Em 1935, Peter graduou-se em zoologia na Universidade de Oxford, onde conheceu e se encantou com Jean Shinglewood Taylor e dizia que ela era “A mais bela jovem de Oxford”. Filha de um médico de Cambridge, Jean também cursou zoologia e realizou pesquisas com Lord Howard Walter Florey, cientista que posteriormente recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1945, compartilhado com Sir Alexander Fleming, pelo desenvolvimento da penicilina. A contragosto da família, em 1937, a jovem casou-se com Peter e o casal teve 4 filhos. Em 1990, Lady Medawar publicou suas memórias A Very Decided Preference: Life with Peter Medawar (Uma preferência muito decidida: a vida com Peter Medawar). Ao concluir sua pesquisa de doutorado, em 1941, Peter não recebeu seu diploma porque não tinha como pagar a taxa de £25 libras, visto que teve que gastar o dinheiro em uma urgência médica, a sua apendicectomia. Anos mais tarde, em 1947, a própria Universidade concedeu-lhe o título de Doutor em Ciências. Peter obteve o primeiro lugar em concurso para a cadeira de microbiologia na Universidade de Oxford, a segunda mais antiga da Europa, desenvolvendo ali a sua excepcional carreira científica.

Foi um cientista diferenciado e pioneiro no emprego da modelagem matemática para cultura de células e tecidos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o pesquisador servia na Unidade de Queimados da Glasgow Royal Infirmary onde as muitas vítimas de queimaduras extensas consequentes aos bombardeios recebiam enxertos de pele. A rejeição de enxertos era um dos maiores problemas hospitalares da época.

Medawar elucidou o fenômeno da rejeição como um problema biológico e não técnico-cirúrgico, desenvolveu a teoria da imunidade nos transplantes e foi o pioneiro em desvendar os mecanismos de tolerância imunológica adquirida. Estudou a imunomodulação pelos corticoides e produziu o primeiro impacto positivo no aumento da sobrevida dos transplantes renais, sendo posteriormente fundador e primeiro presidente da Sociedade Internacional de Transplantes.

“A mente humana trata uma nova ideia da mesma maneira que o corpo trata uma proteína estranha; ele a rejeita” Peter Brian Medawar.

Medawar dividiu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1960 com o australiano Frank Burnet, pelo estabelecimento das bases da tolerância imunológica e a criação do soro antilinfocitário, um feito que modificou definitivamente a história da rejeição pós- transplante de órgãos.

Em 1961, já laureado, o cientista retornou ao Rio de Janeiro e recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando declarou “depois de tantos anos, uma das maiores emoções de minha vida foi o meu retorno ao Brasil”. Em 1962, foi nomeado chefe do maior laboratório de investigação médica do Reino Unido, o National Institute for Medical Research e em 1965 recebeu o título de Sir, concedido pela Rainha Elizabeth II. Sua brilhante carreira de pesquisador foi interrompida prematuramente, em 1969, quando aos 54 anos foi vítima de um acidente vascular cerebral que comprometeu seriamente as funções motoras de seu físico atlético, com 1,90m de altura.

Sir Peter Medawar produziu literatura técnica abundante e uma série de livros filosóficos, sendo que apenas um deles foi traduzido e editado no Brasil (The Limits of Science – 1984) “Os limites da Ciência”, tradução de Antonio Carlos Bandouk – editora Unesp, em 2008. Em 1986, um ano antes de falecer, publicou sua autobiografia: Memoir of a Thinking Radish (Memórias de um Rabanete Pensante), onde constam as lembranças do Brasil e a narrativa da limitação física causada pela doença contrastada com a sua preservada lucidez.

Medawar faleceu em Londres, em 2 de outubro de 1987, deixando além dos filhos um neto, Alexander Medawar Garland, atualmente escritor e roteirista de cinema. Em 1990, a The Transplantation Society criou o Medawar Prize, em homenagem ao seu cofundador, até hoje um dos

b- Eletricidade: O acesso à eletricidade é um No Brasil, a ancestralidade libanesa está presente em renomadas trajetórias com atuações em diferentes instituições científicas. Como exemplo, atualmente, cerca de 11% dos Membros Titulares que ocupam a Academia Nacional de Medicina são médicos de origem libanesa, aqui discriminados por ordem alfabética: Aderbal Magno Caminada Sabrá, Fabio Biscegli Jatene, Henrique Murad, Jorge Elias Kalil Filho, José Horácio Costa Aboudib Jr, Marcus Túlio Bassul Haddad, Mauricio Younes Ibrahim, Raul Cutait, Rui Haddad e Samir Rasslan.

Não será surpresa se, num futuro próximo, outras raízes libanesas dispersas ao redor do mundo vierem a integrar a seleta lista de laureados Nobel em Fisiologia e Medicina, seguindo o curso da ancestralidade, genética e epigenética.

 

1- Medawar, Peter (2008) “Os limites da Ciência”, tradução de Antonio Carlos Bandouk – editora Unesp. ISBN-10: 8571398526

2-Younes-Ibrahim, Mauricio (2015). “Brazilian Nephrology pays homage to Peter Brian Medawar”. Jornal Brasileiro de Nefrologia. 37 (1): 7–8. doi:10.5935/0101-2800.20150001. PMID 25923743.

3- Richmond, C. (2005) “LadyJeanMedawar”. BMJ. 330 (7504):1392. doi:10.1136/b mj. 330.7504.1392. PMC 558304

4- Medawar Jean (1990). A Very Decided Preference: Life with Peter Medawar. Oxford: Oxford University Press. ISBN 0-19- 217779-6.

5- Medawar, Peter (1986). Memoir of a Thinking Radish: An Autobiography. Oxford: Oxford University Press. pp. 180– 195. ISBN 0-19-217737-0

maiores prêmios científicos imunologia e da transplantação.

Descendentes libaneses vêm substancialmente para a história da Medicina mundial, assim simbolizada através do reconhecimento destes dois eminentes laureados com Nobel. Em diferentes continentes, muitos outros “ramos dispersos de cedro” ocupam papel de destaque nas ciências médicas mundial.

médicos, membros titulares da Academia Líbano- brasileira, cadeiras N° 31 e N° 04, respectivamente.

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