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Música brasil árabe: Um projeto de exaltação aos laços culturais que unem povos irmãos

Conheci Roberto Faissal Jr. o participar do documentário “Noel Rosa, Poeta da Vila e do Povo”, que ele produziu, em 2010, para comemorar o centenário do genial compositor carioca. Como fã incondicional do criador de “Feitiço da Vila”, “Feitio de Oração”, “Três apitos”, “Ultimo desejo”, “Conversa de botequim”, fui um dos depoentes do projeto, que iniciou como um seriado de cinco programas, encomendado pela TV Brasil ao jornalista Dácio Malta, que foi meu chefe no Jornal do Brasil. O documentário foi exibido e premiado em festivais no Brasil França, Estados Unidose Japão. E nós estreitamos nossa amizade já em torno de outro projeto, “Música brasilárabe”, que, aconselhado por Malta, eu tinha registrado na Biblioteca Nacional, e queria transformar em filme, para valorizar nossa cultura de descendentes e imigrantes. Muito pouca gente sabe o quanto ela está espalhada – aclimatada e sedimentada – no país que a acolheu – e quão abrangente e vasta é essa influência.

A começar … pelo próprio Noel de Medeiros Rosa(1910-1937). Ele foi parceiro do descendente de libaneses Antonio Nássara(1910-1996), emérito desenhista e compositor, o co-autor da célebre marchinha carnavalesca “Alala-ô”(“atravessando o deserto do Sahara/ o sol estava quente e queimou a minhacara”).

Com Noel, escreveu as músicas “Que baixo!”, gravada em 1936, pela irreverente Aracy de Almeida e “Retiro da saudade”, pelas maiores estrelas do rádio na época, Carmen Miranda e Francisco Alves, em 1934.

Minha parceria com Faissal também iniciou-se a partir de um resgate pessoal e emotivo. Fui educado para a música pela Nacional, a mais importante emissora de rádio que existiu no país, da qual Roberto Faissal pai foi um dos diretores, ao lado dos irmãos Lourival e Floriano Faissal, todos produtores e também compositores, autores de sucessos populares. Nossa ideia no “Música Brasilárabe” (título provisório) é mapear essa presença desde o passado, num possível seriado de quatro episódios de TV de 25 minutos cada, mais uma versão para cinema e VOD – vídeo on demand.

As filmagens foram iniciadas em 2011, através de entrevistas como nomes estelares como os cantores e compositores Tito (Chauki) Madi, Sérgio Ricardo (João Lufti), que nos deixaram poucos anos depois, João Bosco, Raimundo Fagner e Roberto Frejat. A pandemia interrompeu o curso das entrevistas.

O roteiro pretende mapear essa influencia desde os primórdios, a partir de sua origem mouro portuguesa, quando da vinda de escravos negros e sua ligação com o Islã, material que deve ser levantado através de pesquisa e entrevistas com especialistas. Em contatos com descendentes e material de arquivo, além de reprodução de gravações de época, faremos uma prospecção minuciosa dos pioneiros e desbravadores. Nomes como os de Jorge Faraj (1901-1963), carioca, co- autor de clássicos como “A deusa da minha rua” (com Newton Teixeira), “O telefone do amor” (Benedito Lacerda); David Nasser, paulista radicado no Rio, jornalista e compositor de “Normalista” (com Benedito Lacerda), “Canta Brasil” (Alcir Pires Vermelho), “Baião da Penha” (Guio de Moraes), “Atiraste uma pedra” (Herivelto Martins), “Mãe Maria” (Custódio Mesquita) e o supra citado Nássara, de “Formosa” (com J. Rui), “Mundo de zinco” (Wilson Batista), “Meu consolo é você”

Floriano Faissal – “Dez anos” (versão, gravação de Emilinha Borba, 1951), “Estava escrito” (Angela Maria, 1954, faixa título do disco de Ney Matogrosso, 1994), “A canção de Jerônimo” (com Getúlio Macedo), “A rosa” (Moacyr Franco, tema da novela “Uma rosa com amor”, TV Globo, 1971).

Lourival Faissal – “Mentira de amor” (com Gustavo Carvalho), gravada por Dalva de Oliveira, 1950, Maria Bethânia, 1980, Alaíde Costa, 1987. “Mentindo (com Eduardo Patané), Angela maria, 1957, “Mambo carioca” (com Getúlio Macedo), Chiquinho do Acordeon, 1954, Blecaute, 1957.

Roberto Faissal – “Nem Deus nem ninguém”. Gravado por Dalva de Oliveira, 1962, Altemar Dutra, 1980, “Domingo em Copacabana” (com Paulo Tito), Sonia Delfino, 1960, Elza Soares e Elis Regina, 1963. “Cabeleira do Zezé” (com João Roberto Kelly), Jorge Goulart, carnaval de 1964, “E na onda balanço (com Paulo Tito), Golden Boys.

Além deles, os cantores Déo, carioca, chamado de “o ditador dos sucessos”, cujo nome era Ferjalla Rizkalla (1914-1971), que reinou nas décadas de 30 a 50, com êxitos como “Terra seca”, “Nervos de aço” e “Até parece que sou da Bahia”; e o mineiro, de Caxambu, Ivon Curi (1928-1995), de vasta cartela de sucessos nacionais (“João Bobo”, “O retrato de Maria”, “Pisa na fulô”, “Farinhada”, “Obrigado”) e uma linha chansonnier, que desaguou em versões de Jacques Brel e Serge Gainsbourg. E mais Edu da Gaita, o gaúcho Eduardo Nadruz (1916-1982), que começou aos 9 anos tocando Chopin, e foi um dos maiores virtuoses do pequeno instrumento que lhe valeu o sobrenome artístico. Um terceiro momento deste episódio será dedicado à família Faissal supra citada, que além de reinar na rádio Nacional, no período em que este meio de comunicação era o principal fator de integração nacional, também formou um respeitável patrimônio autoral, de sucessos em várias latitudes estéticas. A saber:

Num segundo bloco será abordada a “Modernidade e transição” protagonizada por criadores reformistas como os supra citados Tito Madi, Sérgio Ricardo, o pianista da bossa paulistana Pedrinho Mattar (1936-2007) e o compositor maranhense Nonato Buzar (1932- 2014), um dos artífices do gênero pilantragem. Conhecido como Magro, o fluminense de Itaocara, Antonio José Waghabi Filho, (1943-2012), principal arranjador e articulador do conjunto vocal MPB4, também seria reverenciado entre os falecidos mais recentemente, como Tunai (José Antonio de Freitas Mucci, 1950-2020), o talentoso irmão de João Bosco.

Este estaria numa seção dedicada a MPB & outras bossas, ao lado do cearense Raimundo Fagner. Seu parceiro de discos e shows, Zeca Baleiro, apesar do nome José Ribamar (Coelho Santos), comum à terra onde nasceu, o Maranhão, um vitorioso da segregada MPB pós festivais, também é de ascendência árabe, como o trio de irmãos cantores e compositores de Pelotas, RGS, Kleiton, Kledir e Vitor Ramil.

Na seara da viola, Almir (Eduardo Melke) Sater, natural de Campo Grande, MS, é um renovador que difundiu seu estilo de cantador a partir do êxito (também como ator) da novela “Pantanal”, na extinta TV Manchete, em 1990. Sua reedição recente, na TV Globo, contou com seu filho, Gabriel Sater, também violeiro, no papel que foi do pai.

A área do pop/rock igualmente está povoada por descendentes, como o mineiro de BH, Ricardo

Feghali, violonista, guitarrista, tecladista e um dos vocalistas do grupo Roupa Nova, desde 1980. Também mineira, mas de Governador Valadares, Wanderléa (Charlup Boere Salim), a Ternurinha da Jovem Guarda, atuou no front feminino da renovação de costumes trazida pelo movimento.

Por sua vez, Evandro Nahid Mesquita liderou a Blitz, o grupo que projetou a geração do BRock dos anos 80. Titular da banda Barão Vermelho e um de seus principais compositores, ao lado do parceiro Cazuza, Roberto Frejat, também integrou a mesma geração de desbravadores, de guitarras em punho. Ainda entrariam neste segmento pop, o carioca Luiz (Gonzaga Kedi) Ayrão, sucesso nas baladas com Roberto Carlos (“Nossa canção”) e nos sambas (“Porta aberta, “Águia na cabeça”), o sertanejo paulista Sorocaba (Fernando Fakri de Assis) da dupla com Fernando, e o grupo pop carioca bem sucedido, da família Melim (or irmãos Rodrigo, Gabriela e Diogo).

Entre vanguardistas e revolucionários da MPB nossos patrícios também pontificam. Multinstrumentistas como o fluminense do Carmo, Egberto Gismonti (Amin) (pianista, violonista, compositor, arranjador), cujos filhos Bianca Gismonti (piano) e Alexandre (violão) seguiram sua trilha de alta densidade musical. Também o erudito carioca Tim Rescala (compositor, pianista, arranjador, autor teatral) e o ator, compositor, arranjador e violonista paulistano André Abujamra.

Descendentes intrépidos do tropicalismo, os baianos de Jequié, Jorge (1946-2020) e Waly Salomão (1943-2003) foram destacados poetas, produtores e agitadores culturais. Os paulistas de Mococa, da família Assad – os irmãos violonistas Sergio e Odair – projetaram-se nos cânones da música erudita, mas também aventuraram-se por Piazzola e Tom Jobim. A irmã deles, Badi (Mariângela) Assad, além do violão, enveredou por uma carreira multifária, na percussão, canto, composição e um repertório variado de influências e estilos.

Revelado no Prêmio Visa, em 1998, o pianista, arranjador e compositor niteroiense André Mehmari teve obras interpretadas tanto pela OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) quanto pela Orquestra Experimental de Repertório, o Quinteto Villa Lobos e a Banda Mantiqueira, ligada à MPB mais refinada.

“Chamei para fazer o arranjo da faixa ‘Meu coco’, Thiago Amud, um jovem carioca que personifica a força de criação e de prestígio daquilo que vem a ser apelidado de MPB”.

O reconhecimento público, via programa “Roda viva”, da TV Cultura, de Caetano Veloso, que o escolheu para arranjar a faixa título de seu mais recente disco, atesta a pujança do novato cantor, compositor, arranjador e violonista, que estreou com o sacrílego “Sacradança”, em 2010.

Também há muitas vozes femininas nesta polifonia de astros descendentes de emigrantes, como as das audazes e inovadoras Mariana Aydar (com cinco discos já lançados em um Grammy Latino), paulistana, filha do músico Mario Manga, integrante do grupo Premeditando o Breque, da vanguarda paulista, e a santista Rhaissa Bittar (três álbuns elogiados e singles). Ex-Integrante do grupo Afrodite se Quiser, a carioca Karla Sabah, gravou quatro álbuns, como a mineira de Patos, Glaucia Nasser.

Já, Bruna Caram (três títulos), é filha de uma cantora de rádio e neta do guitarrista Jamil Caram, enquanto a potiguar de Natal, Marina Elali (de Souza Dantas), é neta de Zé Dantas, lendário parceiro de Luiz Gonzaga na saga vitoriosa do baião. Já ganhou dois discos de ouro e gravou 16 temas de novelas, minisséries e filmes. Em 2012, fez o papel de uma descendente de árabes na minissérie “O brado retumbante”, da TV Globo.

Agora, com a grandiosa iniciativa do Consulado do Líbano do Rio de Janeiro de criar a Academia Líbano Brasileira de Letras, Artes e Ciências, Farhat e Faissal acreditam que esse projeto pode vir a realizar-se, já que está em sincronia com essa iniciativa de exaltar nossas ancestralidades. A revista LIBANUS, editada por Cristina Ayub Riche, com seu espírito de construção participativa, nos pareceu ideal para comunicarmos esse projeto e contagiar nossos parceiros acadêmicos com o entusiasmo para levar adiante esse sonho de difundir ainda mais nossos pujantes laços culturais de povos irmãos.

Tárik de Souza Farhat é jornalista e Roberto Faissal é cineasta. São membros da Academia Líbano-Brasileira, cadeiras N° 07 e N° 13, respectivamente.

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