Como muitos nativos do Monte Líbano fizeram depois dele, Joseph Ibrahim Nehmé trocou suas terras pelo Rio de Janeiro no final do século 18. Já o líbano-brasileiro Jacob Menassa fez o caminho do retorno, voltou para seu país de origem, o Líbano, no final do século 19, depois de viver no Brasil. Na época, o Líbano, na geografia do Império Otomano, era a cordilheira do Monte Líbano.
Esses dois homens, Joseph e Jacob, estão entre os primeiros que fizeram o movimento da imigração e do retorno da expatriação, entre o Brasil e o Líbano, segundo pesquisa a partir de registros encontrados. A emigração é milenar na história do Líbano e acontece por motivos que vão de conflitos até crises econômicas, sociais e demográficas. Assim o livro do Mahjar (emigração, em árabe) não fecha suas páginas há séculos.
Os vestígios de um libanês no Brasil no século 18, Joseph Ibrahim Nehmé, foi um grande achado, inédito, em minhas pesquisas sobre a imigração árabe no Brasil. Encontrei o registro no livro do pesquisador brasileiro de origem sírio-libanesa, o saudoso João Abdalla Neto, falecido em 2022. Tratava-se de um fac-símile de um recorte do jornal oficial do Brasil na época, a Gazeta do Rio de Janeiro, de 1820, sobre naturalização de Joseph. “M. Joseph Ibrahim, que foi Capitão dos Mamelucos da Ex-Guarda, Cavaleiro da Legião de Honra; nascido em Dair el Kamar, na (sic) Síria, a 8 de setembro de 1776, conseguiu de Sua Majestade carta de naturalização”, diz o trecho.
A partir desse fac-símile e em conversas com o pesquisador João Abdalla Neto, comecei a fazer uma análise e pesquisa sobre o texto do jornal para saber mais sobre Joseph. O sobrenome de Joseph Ibrahim não está escrito no jornal, mas consta Joseph, em francês, já que a França tem ligações com os cristãos do Monte Líbano desde o século 13 e muitos adotaram nome francês. Também consta no jornal Ibrahim, nome do pai de Joseph, comum nos países árabes. O sobrenome de Joseph Ibrahim Nehmé não foi registrado nos documentos portugueses – Joseph esteve em Portugal antes de morar no Brasil.
Joseph foi, no Brasil, Capitão dos Mamelucos da ex-Guarda. Mamelucos é a denominação dada no Brasil aos mestiços, europeus com ameríndios. O termo era usado para grupos organizados de caçadores de escravos, também conhecidos como bandeirantes, que percorriam o interior do Brasil em busca de riquezas. Joseph era capitão de um grupo de bandeirantes. Ele tanto se empenhou em seu cargo que recebeu medalhas como a de Cavaleiro da Legião de Honra.
O jornal relata que Joseph nasceu em Deir El- Kamar, na Síria. Na realidade, Deir El-Kamar era na época a capital do Emirado do Monte Líbano (1516-1849), uma das províncias autônomas dentro do Império Otomano, que teve dois clãs líderes de dinastias: Maan (Fakhreddine) e Chehab. Hoje Deir El-Kamar é uma cidade histórica do distrito de Chouf, província do Monte Líbano. Joseph nasceu em 8 de setembro de 1776, período do emir Youssef Chehab. Recebeu a naturalização em 1820, dois anos antes da Independência do Brasil, da Sua Majestade Dom João VI, que na época era o rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822).
Qual o sobrenome do Joseph Ibrahim? No Líbano, iniciei uma pesquisa, em colaboração com pesquisador genealógico líbano-brasileiro Ramez Toufic Labaki, na cidade Deir El-Kamar, onde nasceu Joseph Ibrahim, a 38 quilômetros de Beirute. Nessa pesquisa encontramos várias famílias da cidade, como Chamoun, Rizkallah, Richa, e a surpresa foi achar uma árvore genealógica em árabe com o nome Joseph. Estava escrito Joseph mesmo, não Youssef, como seria em árabe. Na árvore consta que Joseph é filho de Ibrahim, da família de sobrenome Nehmé. A palavra Nehmé ou Nahmé quer dizer “bênção” em árabe.
Portanto, o nome completo do imigrante era Joseph Ibrahim Nehmé, de uma grande família de Deir El-Kamar e que, em princípio, tem origem na árvore genealógica Daou.
E acredita-se que a raiz do nome é da cidade de Lehfed, perto de Biblos, Monte Líbano. O sobrenome Nehmé é proveniente de famílias cristãs da Igreja Maronita Católica. Esse é o caso do Joseph, mas também há famílias muçulmanas, sunitas e xiitas, e drusas, que compartilham esse mesmo sobrenome. Entre os cristãos maronitas estão o Beato Estefano Nehmé (1889-1938) de Lehfed. Na árvore genealógica que encontramos em Deir El-Kamar constam nomes desde o ano 1600. A árvore foi feita por Nehmé Bechara Nehmé (1913).
Com essas informações comecei a fazer uma análise do momento histórico do século 18 em Deir El-Kamar e da problemática da mobilidade da população, na tentativa de delinear um quadro epistemológico. A emigração de Joseph Ibrahim Nehmé aconteceu em cerca de 1795, portanto, a data mais antiga da qual temos conhecimento até o momento na história da emigração libanesa para o novo mundo. O Emirado do Monte Líbano nessa época tinha problemas de sucessão na dinastia Chehab, a do emir Bachir II Chehab (1788-1840). Os conflitos levaram vários jovens, como ainda hoje, a emigrarem do Líbano. Joseph partiu em direção à Europa e chegou em Lisboa, Portugal.
Ele trabalhou na Marinha portuguesa e navegou para o Brasil, que na época era colônia de Portugal. Chegou no Rio de Janeiro no mesmo ano e continuou na marinha portuguesa. Depois foi ser bandeirante, explorador de riquezas e capitão dos mamelucos. O libanês recebeu condecorações e em 1820 foi naturalizado cidadão do Reino Unidos de Portugal, Brasil e Algarves. Joseph permaneceu no Rio de Janeiro e trabalhou no comércio.
Em princípio, casou com uma indígena no Brasil. Ele faleceu em 1840. Joseph Ibrahim Nehmé pode ser considerado um dos primeiros libaneses, do Monte Líbano, a imigrar para o Brasil, em 1795, século 18. Ele é um dos marcos da presença libanesa no Brasil, há 227 anos (1795-2022).
Em 1858, foi assinado o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Brasil – Turco Otomano, pelo Imperador do Brasil Dom Pedro II de Alcântara e o sultão otomano Abdulmejid I. O tratado facilitou o comércio entre os impérios e o movimento dos titulares do passaporte turco-otomano. Também facilitou o fluxo de comerciantes turcos, árabes, armênios e gregos para o Brasil. Nos anos 1871 e 1876, Dom Pedro II visitou o Levante, estando na Síria, Monte Líbano, Palestina e Egito. O imperador, conhecedor da cultura e da língua árabe, fez com que os jornais árabes da época escrevessem sobre a sua visita e sobre o Brasil, o que atraiu mais os árabes ao Brasil.
A partir de 1880 houve grande imigração de árabes a terras brasileiras, particularmente dos libaneses e sírios. Dom Pedro II foi o pioneiro das relações Brasil-Mundo Árabe e atraiu a “Grande Imigração” árabe para o Brasil.
Nesta mesma pesquisa de imigração libanesa, descobri algo inédito em contato com o promotor cultural libanês Jacques Menassa, cujo avô, Jacob Ibrahim Menassa (1872–1937), nascido na cidade de Ghosta, Monte Líbano, Império Otomano, ouviu falar de um imperador brasileiro. Dom Pedro II visitou a região de Nahr el Kalb, Rio do Cachorro, Monte Líbano, em 1876, e Jacob soube pelos jornais e pelo povo que o Brasil de Dom Pedro II era grandioso. Jacob Menassa, então, resolveu emigrar, com seus dois irmãos, para Manaus, no estado brasileiro do Amazonas, em 1885, época do ciclo da borracha. Jacob trabalhou no comércio bem na chamada “Belle Époque Amazônica” (1890-1920).
Ele foi naturalizado brasileiro em 1889. Mas em 1900, Jacob resolveu retornar ao Monte Líbano com sua esposa Wadigha Cecin (Sessin), de Trípoli, para abrir comércio entre o Brasil e o Monte Líbano, Império Otomano. Assim Jacob e Wadigha estiveram entre os pioneiros a retornarem do Brasil ao Líbano e a iniciarem no país árabe uma comunidade de ‘brasilibaneses’, neologismo que criei para os binacionais, brasileiros-libaneses.
Essa presença no Líbano completou, então, 122 anos (1900-2020) de existência, segundo essa pesquisa.
Tanto os libaneses e seus descendentes no Brasil como os brasilibaneses no Líbano estão bem inseridos nas sociedades em que vivem. Ambos contribuíram e contribuem na formação e desenvolvimento dos dois países, que são amigos e têm laços centenários. Joseph Ibrahim Nehmé e Jacob Ibrahim Menassa são dois marcos da amizade Brasil-Líbano. A pesquisa continua, a epopeia dos árabes pelo mundo, e no Brasil, é grandiosa. O livro do Mahjar continua sempre aberto para novas descobertas.
Foram usados como referência neste artigo conteúdos dos livros “Limamo. Um herói brasileiro”, de João Abdalla Neto, da Editora Schoba, “Brasil-Líbano, amizade que desafia a distância”, deste pesquisador que escreve (Roberto Khatlab), das Editoras Edusc e Dar al-Farabi, e “Mahjar. Saga libanesa no Brasil”, também deste pesquisador, da Editora Mukhtarat.