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Líbano: Uma economia sequestrada

Parafraseando Leo Hubeman, autor do livro “História da Riqueza do Homem”, haverá uma moral para os políticos e banqueiros libaneses na história de como os indianos pegam macacos contada por Artur Morgan? “Segundo a história, tomam de um coco e abrem-lhe um buraco do tamanho necessário para que nele o macaco enfie a mão vazia.

Colocam dentro torrões de açúcar e prendem o coco a uma árvore. O macaco mete a mão no coco e agarra os torrões, tentando puxá-los em seguida. Mas o buraco não é bastante grande para que nele passe a mão fechada, e o macaco, levado pela ambição e gula prefere ficar preso a soltar o açúcar“.

Olhando em retrospectiva, podemos dizer sem hesitar que a crise econômica do Líbano era previsível. E essa crise vem velada desde 1990, junto com o acordo de “Taef”, que encerrou oficialmente a guerra do Líbano. Décadas mais tarde, em outubro de 2019, quando essa crise eclodiu, a economia tinha pela frente quatro desafios incomuns:

1º:  a dívida do setor público atingiu um patamar tão elevado que a inadimplência se tornou uma questão de “quando” iria ocorrer e não “será” que vai acontecer.

2º: o outrora cantado e decantado setor bancário libanês, que cedia em empréstimos ¾ de seus depósitos (dos correntistas) para o governo, estava em falência disfarçada e numa falta de liquidez galopante.

3º: a economia produtiva quase não expandia e nem crescia durante uma década inteira, o que fez esse “desenvolvimento” apresentar grandes nefastos efeitos políticos e sociais.

-4º: o país estava politicamente segmentado: não havia presidente entre 2014 e 2016, e o governo ficava simplesmente sem formação, aguardando as eleições parlamentares de 2018, que ocorreram com um atraso de cinco anos.

O novo governo formado em 2019 não possuía a experiência para implementar as reformas exigidas pela comunidade internacional, como também não tinha condições para enfrentar a crise de tamanha envergadura que finalmente explodiu.

-5º: a incrível corrupção, que atingiu graus jamais vistos no estado libanês, simplesmente embrenhou-se nas instituições, em todos os seus setores e corroeu tudo que ainda restava.

E assim, os bancos, já insolventes, passaram a não ter mais liquidez, e começaram a decretar “feriados bancários”, além de exigir limites para saques bancários. Acabaram simplesmente confiscando as contas correntes de seus clientes. A partir desse momento, podemos afirmar que nascia o mercado negro no país dos cedros, cuja moeda nacional, a libra libanesa, começava a sofrer uma forte desvalorização jamais vista nos 100 anos da história do Líbano.

A inflação chegou com força, os salários reais e o poder de compra das pessoas entraram em colapso.  Adicionado a isso, havia uma pandemia instalada e, sem que ninguém pudesse imaginar, ocorreu no dia 04 de agosto de 2020, em Beirute, a 2ª maior explosão não nuclear do mundo, destruindo 1/3 da capital libanesa, matando centenas de pessoas e ferindo milhares.

Analisando em perspectiva temos o seguinte quadro:

a- Importações: O Líbano importa sete vezes mais produtos do que exporta, tornando o país muito dependente de países estrangeiros. Devido às altas importações, é um dos países mais endividados do mundo e sua dívida é de 155% do PIB anual. Como resultado, a atual taxa de inflação está em torno de 120%;

b- Eletricidade: O acesso à eletricidade é um dos maiores problemas para o Líbano. A rede elétrica do país não é suficiente para manter o fornecimento de energia para seus 6,8 milhões de habitantes. Os apagões repetidos variam de três a 17 horas, forçando as pessoas a ajustar a cozinha, o banho e outras atividades diárias.

Portanto, as pessoas têm que pagar por uma fonte de energia secundária ou roubá-la, o que aumenta o problema. Não há um planejamento por parte do governo, e nem houve investimento na infraestrutura;

Além disso, a crise destaca a disparidade de classes, onde os 10% mais ricos detêm 57% da renda total do país. Os 50% mais pobres do país respondem por apenas 11% da renda do Líbano. As classes média e baixa lutam para acompanhar a inflação com recursos minguantes, enquanto os ricos veem sua influência desaparecer.

Mas, o que esses números não mostram são as cicatrizes estruturais: o capital humano (pessoas jovens e qualificadas), sem perspectiva de um futuro, vai imigrando em massa. Igualmente preocupante é a perda de capacidade física para a produção devido ao fechamento em grande escala das poucas fábricas do país.

Na verdade, o que mais preocupa desse colapso econômico são as suas consequências, pois podem ser criados elementos para a perfeita tempestade: o retorno à violência.

Finalmente podemos concluir que a economia do Líbano foi sequestrada, pois o país se sustenta e vive sobre quatro pilares:

1- O dinheiro dos expatriados e imigrantes (dinheiro emprestado);

2- O dinheiro da ajuda das Nações Unidas para os refugiados palestinos e sírios (dinheiro emprestado);

3- O dinheiro proveniente da mão-de-obra síria, cujo país depende dessa força de trabalho (dinheiro emprestado);

4- O dinheiro do Mercado Negro, fruto também da lavagem de dinheiro, do tráfico, etc (dinheiro emprestado).

Observamos a desintegração do estado libanês em detrimento do crescimento do mercado negro. O povo está vivendo de uma economia emprestada, de uma moeda emprestada, de bancos falidos e fechados ao mesmo tempo.

O Líbano está-se afogando numa areia movediça, e a cada movimento ele se afunda mais.

A crise em curso no país está prejudicando seriamente a subsistência do povo libanês. Tem que haver uma grande reforma do governo e de todo estado para resolver os problemas mais arraigados do país.  Resta ao país duras e rápidas medidas a tomar, entre elas:

a- iniciar urgentemente um plano do crescimento econômico para girar a economia;

b- colocar um plano de reformas de infraestrutura do país;

c- elaborar um plano para resolver urgentemente o seu déficit orçamentário e o da balança comercial;

c- recorrer ao Fundo Monetário Internacional como a única forma de alívio para começar a estabilização da economia;

d- desenvolver um plano para reordenar todo o sistema bancário.

O Líbano está vivendo um derradeiro momento existencial, e no curto prazo, o que se pode esperar é um cenário de uma “ruptura”, apoiado minimamente por uma ajuda financeira externa, que impeça o colapso econômico total.

Quanto ao principal, bem isso todos sabem: acabar de vez com a corrupção que corroeu o sistema e o estado libanês.

Nunca é desnecessário lembrar Khalil Gibran “Infeliz a nação que está cheia de crenças e vazia de religião”. Infeliz a nação que veste a roupa que não teceu, come o pão que não amassou e bebe o vinho que não brota do seu lagar.

Infeliz a nação que aclama o novo governante com trombetas e lhe diz adeus com apupos, só para saudar outro novamente com trombetas.

Infeliz a nação cujos sábios emudeceram com os anos e cujos homens fortes ainda estão no berço.

Infeliz a nação dividida em fragmentos, cada fragmento considerando-se a si próprio uma nação.

advogado e empresário; é presidente da Câmara de Comércio Líbano-Brasileira do Rio Grande do Sul e membro da Academia Líbano-Brasileira, cadeira N° 05.

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