Close

Login

Close

Register

Close

Lost Password

Memórias da imigração e o poeta Foed Castro Chamma

Quando da instalação da Academia Líbano Brasileira de Letras, Artes e Ciências, no dia 12 de dezembro de 2022, na Casa de Rui Barbosa, não pude comparecer, eis que me recuperava de uma intervenção cirúrgica.

Por informações recebidas através de minha filha, Andréa Pachá, que também integra o sodalício, soube da beleza do acontecimento e das manifestações dos acadêmicos empossados, cada qual narrando a saga dos seus antepassados que vieram como imigrantes para o Brasil. Ao que parece existia entre as narrações um liame a uni-las, qual seja o espírito aventureiro, a vontade de vir e vencer, e, acima de tudo, sem esquecer suas origens, amar o Brasil como segunda e definitiva pátria.

Como não estive presente divido, agora, com os confrades e confreiras, a minha recordação dos fatos narrados por meus pais, nascidos em Antioquia, terra em que pela primeira vez os seguidores de Cristo foram chamados de Cristãos, como se lê dos Atos dos Apóstolos.

Meu pai se chamava Fuad Bacha e minha mãe Albira Bittar Bassous tiveram os seus nomes modificados pelo agente a imigração que os recebeu no Rio de Janeiro. Ao que parece quis aportuguesar os seus nomes e deu-lhes a tradução que mais lhe pareceu compatível e assim passei a ser filho de Alfredo Pachá e Elvira Bittar Pachá.

Após o casamento na Igreja Ortodoxa de Antioquia em 1926, meus pais resolveram vir para o Brasil e, em dezembro do mesmo ano embarcaram num navio. Tudo que possuíam foi vendido e com eles vieram minha avó, uma tia paterna e outra tia, que veio com o marido e três filhos. Minha mãe já estava gravida do primeiro filho, Abrahão, quando do embarque num porto da Turquia. Deixando tudo para trás, traziam no bornal a esperança de vencer e de definitivamente ficarem no Brasil.

Meu pai, diferentemente dos imigrantes árabes, não quis ser mascate e em Petrópolis onde já residia seu irmão Miguel, logo se instalou com um pequeno comércio.

Veio ao Rio de Janeiro e foi para a rua da Alfandega, onde se concentrava o comércio de outros imigrantes sírios e libaneses. Confiaram nele, deram-lhe crédito necessário e prazo para o pagamento das mercadorias necessários para o início de seu negócio. Tudo girava em torno da confiança e a maioria dos comerciantes já eram conhecidos de sua terra e haviam sido alunos de meu avô Abrahão, que durante 40 anos lecionou em Antioquia.

No Brasil nasceram os 5 filhos do casal: Abrahão, Fausta, Janette, Miguel e Cloberta. Todos concluíram seus cursos e no intervalo das aulas ajudavam na loja. As roupas dos mais velhos vestiam os mais novos.

Em Petrópolis meu pai se tornou prospero e respeitado comerciante, chegando a ter 3 lojas, Casa Oriental, a Principal e a Soberana e meu irmão, embora formado em técnico de contabilidade, preferiu ficar no comércio, trabalhando junto com ele.

Estimado por todos, das mais variadas classes sociais, meu pai tornou-se amigo de todos, inclusive dos prefeitos, que não raro, iam saborear a comida árabe, preparada pelas mãos de minha mãe. Foi um dos fundadores do Clube Monte Libano de Petrópolis, cujos estatutos ajudei a redigir. Ao falecer, aos 63 anos de idade todo o comércio local cerrou suas portas, para a passagem do féretro e, logo a seguir o Prefeito Municipal, com aprovação da Câmara de Vereadores, deu o seu nome a umas das ruas importantes do Centro Histórico da cidade.

Como filho tenho muito orgulho de meus pais, pela luta que tiveram e pelos exemplos que legaram.

Não segui o comércio, fui vereador, presidente da Câmara de Petrópolis, me formei em Direito e em História, exerci e exerço a advocacia.  Atuei como membro do Poder Judiciário, sendo juiz do Tribunal de Alçada Cível, Desembargador e Presidente do Tribunal de Justiça. Durante 40 anos atuei como professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica, que me conferiu o título de Doutor Honoris Causa.

Sou membro das Academias de Letras e Educação de Petrópolis. Com muita honra integro agora este sodalício, que me faz retornar às minhas origens e conhecer mais ainda o quanto os árabes contribuíram e contribuem para o desenvolvimento do Brasil, na política, no comércio, na indústria, na ciência, nas letras e nas artes.

Sei que não estarei à altura, mas tudo farei para não desmerecer a figura e a obra do patrono de minha cadeira, de número 15, Foed Castro Chamma.

Filho de libaneses, nasceu em Irati, no Estado do Paraná em 1927, tendo passado a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, para onde veio com sua família, aos 14 anos de idade. No Rio de Janeiro entrou em contato com a poesia moderna, através de Jorge Lima, passando a dedicar-se a poesia, alcançando destaque.

Em texto publicado no jornal da Poesia em 2001, André Sefin teve a oportunidade de acentuar:

“Foed Castro Chamma talvez tenha sido um dos poetas mais superestimados de sua geração, sem deixar de ser, também, um dos mais injustiçados. Superestimado ele foi, principalmente, em fins dos anos 50 – as injustiças vieram com o passar dos anos, e condicionaram um afastamento editorial que é, como apontou recentemente Carlos Newton Júnior, um crime contra a literatura nacional. Sua poesia, num primeiro momento, amedronta e fascina, e suas preocupações de ordem filosófica podem parecer herméticas. Só aos poucos vamos penetrando essa rede de signos, cada vez mais próximos aos recessos líricos que a sua trama cerrada oculta, denunciando uma índole pouco afeita a pequenos núcleos poéticos, tão comuns na lírica contemporânea.”

No mesmo ano de seu casamento com Lucia, em 1952, publicou eu primeiro livro “Melodia do Estio”, onde revelou seu temperamento romântico, que através dos tempos não se dissipou. Em 1955 lançou seu segundo livro “Iniciação ao Sonho”, onde caminhou para o Poder da Palavra, sendo vencedor do prêmio Olavo Bilac de Poesias do Distrito Federal em 1958.

Nesta obra procurou domesticar seu espírito romântico e surrealismo latente, que o acompanharam pela vida.

Os seus livros, publicados em 1967, denominados “Labirintos” lhe deram o prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Mate.

Com esta obra e “Ir até Ti”, de 1969, foi incluído na Antologia dos Poetas Brasileiros, organizada por Manuel Bandeira e Walmir Ayala.

Posteriormente publicou “O Andarilho e a Aurora” e “Geometria da Sombra”. Obteve o primeiro lugar no Concurso Jorge Lima de Poesia em 1982, recebendo pela obra destacada critica de Antonio Houaiss.

Estas obras e especialmente o “Labirinto” prenunciaram os planos para sua obra prima “A pedra da Transmutação”, publicada pela Editora Melhoramentos, que lhe conferiu o prêmio Bienal Nestle da Literatura Brasileira.

Marco Lucchesi, ilustre membro da Academia Brasileira de Letras, em texto critico publicado no Jornal da Poesia, em 1997, afirmou que em Pedra da Transmutação, um livro impressionante, Foed sente a profundeza abissal a nostalgia da unidade e conclui “Trata-se de uma grande obra. Toda mental.  O poeta e a pedra coincidem aqui. Tudo isso numa poesia tão alta e eloquente, numa rede complexa de significados, numa teia de remissões, numa poderosa música, onde se desdobra sua profunda cosmogonia.”

O patrono da cadeira, que para honra minha, agora ocupo, ainda publicou outras obras, a saber: “Sons da Ferraria”  em 1989 e “Antologia Poética” em 200l. Foi autor de ensaios “Filosofia da Arte” em 2000, e “Ferraduras do Raio” em 2002, além das traduções “Histórias de Fantasmas” , “Espíritos e Demônios” , “Poemas de Adam Mickiewicz” “Bucólicas” de Virgilio e  “A Arte de Amar”  de Ovídio. A Pedra da Transmutação lhe deu merecido destaque na Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, tendo recebido, ainda,  outros prêmios nacionais.

Aí está, em rápidas pinceladas, a obra e a vida de FOED CASTRO CHAMMA, que faleceu no Rio de Janeiro em 2010.

Espero que esta Academia, ora instalada, composta de personalidades tão ilustres, faça renascer, a cada hora, como a Fênix, a cultura de nossos antepassados, que tanto contribuíram para o desenvolvimento da humanidade.

é desembargador, escritor e professor. Foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e é membro da Academia Líbano-Brasileira, cadeira N° 15.

    Deixe seu Comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado.

    Obrigado por enviar seu comentário!

    Compartilhe

    Dê o seu like!

    0

    Categorias

    Próximos eventos