Esse artigo visa levar os leitores e leitoras a uma reflexão acerca da importância dos estudos árabes na atualidade. Em um primeiro momento, será feita uma breve retrospectiva da presença e influência árabe no Brasil para, em seguida, mostrar o resgate da língua árabe como língua de herança ou uma língua estrangeira a ser aprendida por questões de afinidade cultural ou estudos geopolíticos e históricos. Por fim, será argumentado como os estudos árabes são relevantes e como isso se reflete no ambiente acadêmico, uma vez que estes estudos científicos também atingem a comunidade em volta da universidade através do curso de extensão sobre a língua e a cultura árabe – CLAC (Curso de Línguas Abertos à Comunidade).
O Brasil é um país multifacetado, cheio de cores, sabores, etnias e de línguas. Do norte ao sul pode se perceber a presença dos árabes e suas contribuições à cultura brasileira. Há registros da presença árabe no Brasil desde o período do Império. No entanto, o fluxo mais intenso de sua chegada foi no final do século XIX e século XX, em sua grande maioria advindos da Síria e do Líbano, desembarcando no país através do Porto de Santos, em São Paulo. Os motivos que os levaram a imigrar, segundo o professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (ANO), foram principalmente a crise econômica que se estabeleceu na região, a Primeira Guerra Mundial e as ocupações imperialistas (BARBOUR, 2010). A grande atuação dos imigrantes árabes aconteceu no ramo do comércio (mascates), com a venda de produtos como tecidos e armarinhos.
Mesmo sem saber a língua oficial local, conseguiram se estabelecer e crescer no Brasil. Desde então, o deslocamento dos árabes continuou de forma expressiva e hoje, por exemplo, o Brasil é a maior comunidade libanesa fora do Líbano.
Segundo a Pesquisa Nacional Exclusiva sobre Árabes no Brasil, feita em 2002, 6% da população se apresenta como árabe ou descendente de imigrantes advindos de diversos países árabes do Levante, Golfo e norte da África. No século XXI tem havido, ainda, um novo fenômeno que intensificou a vinda dos árabes para o Brasil: a crise dos refugiados. A chegada dessas pessoas em situação de refúgio, advindos principalmente da Síria em decorrência da Guerra Civil, também agregou culturalmente e economicamente, apesar de todo o contexto de violência e guerra vividos por eles.
Outra contribuição dessa imigração é a diversificação das atividades comerciais internas. Além disso, a presença de imigrantes e refugiados no país incitou a criação de políticas públicas para viabilizar o acesso aos serviços públicos e oportunidades de trabalho a essas pessoas, bem como fomentou o surgimento de organizações privadas que as acolhessem, como a Caritas. Com isso, cresceu a demanda por profissionais capacitados, com conhecimento da língua e da cultura, para auxiliar no processo de recepção e adaptação desse público. É precisamente em função deste processo que se faz relevante os Estudos Árabes, especialmente da língua.
Pelo exposto, foi possível refletir que os Estudos Árabes se tornaram relevantes e importantes na atualidade, especialmente o estudo sobre a língua. Afinal, saber a língua e a cultura árabe no contexto de globalização e de diversidade que se vive hoje é compreender na totalidade o que Nelson Mandela mencionou certa vez: “se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração”.
Existem duas formas de se “atingir o coração”: a língua de herança e a aquisição da língua árabe como língua estrangeira. A língua de herança é uma forma de revisitar as raízes familiares do falante e a esperança de eternizar laços consanguíneos de geração em geração que entram em ascensão, ou seja, segundo Boruchowski & Lico (2016), a língua de herança é aquela que os descendentes próximos de imigrantes adquirem e utilizam com suas famílias. Esses descendentes crescem com um acesso natural à língua e cultura de seus antepassados enquanto também adquirem a cultura e língua do novo país.
Os imigrantes árabes que vieram ao Brasil buscam, então, resgatar suas origens através do árabe como língua de herança, criando uma ponte entre o passado e o presente. Muitos descendentes buscam, desta maneira, estudar a língua árabe proveniente de sua família. Contudo, o aprendizado desse idioma em cursos regulares de ensino de língua estrangeira pode trazer estranhamentos, já que a língua aprendida é diferente da utilizada no seu ambiente doméstico.
Além disso, no campo acadêmico, a divulgação da língua, literatura e cultura árabe no Brasil é realizada principalmente por duas universidades públicas brasileiras, a saber: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade de São Paulo (USP). Estas possuem um setor exclusivamente para os Estudos Árabes, ofertando, dessa maneira, o curso de Letras com habilitação em: Árabe.
O ensino e a pesquisa da língua árabe nessas universidades são oferecidos em diferentes níveis do conhecimento: Graduação (UFRJ, USP), Especialização (UFRJ), Mestrado (USP) e Doutorado (USP). Essas vagas são preenchidas por pessoas interessadas em questões político-sociais, literárias e linguísticas (CAFFARO, 2020) que envolvem o mundo árabe. Por isso, é possível afirmar que o comprometimento por essas questões, torna o aprendizado da língua árabe, desde a alfabetização até conteúdos mais complexos, mais empenhado.
Nas últimas edições da Semana de Integração Acadêmica da UFRJ (SIAC), os alunos do Setor de Estudos Árabes apresentaram diversas pesquisas com perspectivas linguísticas, literárias e político-sociais. Além de colaborar para ampliar a bibliografia da faculdade em geral sobre o assunto, reitera o compromisso desses alunos com o Setor, trazendo novas reflexões sobre a língua e a sociedade árabe.
Há um Curso de Extensão na UFRJ, que promove a língua árabe a partir da alfabetização: Árabe Instrumental I e II. Segundo os professores do Setor de Árabe da UFRJ, o curso teve início devido a uma demanda de pesquisadores, no geral historiadores, que careciam de instrumentos básicos do idioma árabe para poderem desenvolver pesquisas. Nos dias atuais, o curso continua funcionando, em dois níveis e o público-alvo são aqueles interessados na cultura e/ou na língua.
Diferente do Curso de Árabe Instrumental, em que o foco é a compreensão de específicas fontes de pesquisa em que o árabe é a língua original, o curso de Árabe oferecido pelo projeto Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC/UFRJ), é uma difusão da língua e cultura do mundo árabe. Há duas variedades ensinadas no curso: Árabe Padrão (Árabe I ao Árabe IV) e Árabe Dialetal (Árabe Conversação I e II).
Nas turmas de árabe desse projeto, os alunos da Graduação de Letras: Português-Árabe (UFRJ), sob orientação de um docente do Setor, têm a oportunidade de vivenciar o ensino de árabe para falantes de português. Além disso, participam de atividades anuais, como, o Fórum CLAC, que tem o objetivo de expor experiências ou pesquisas com o ensino da língua, e a Feira Cultural, com o propósito de mostrar costumes de certa região com um tema pré-escolhido. Geralmente, o perfil dos alunos do curso de árabe
[…] varia de descendentes de árabes, religiosos do Islã, amantes da cultura a profissionais das áreas de Direito, Antropologia, Relações Internacionais e outras carreiras modernas que veem nesse idioma uma instrumentalização para sua atualização (SILVA & LIMA, 2018, p. 168)
Ou seja, diferente dos descendentes árabes que têm, normalmente, o árabe como uma língua de herança, esses alunos buscam a língua árabe como uma segunda língua, por diferentes razões, como, negócios, turismo, interesses culturais e estudos.
Além disso, no Brasil, existem escolas que promovem o ensino formal da língua árabe como segunda língua para filhos de imigrantes muçulmanos e também brasileiros, a saber, a Escola Islâmica Brasileira, localizada em São Paulo, a Escola Libanesa Brasileira, localizada em Foz do Iguaçu, entre outras (CAFFARO, 2020).
Ressalta-se que houve uma tentativa experimental, entre 2013 a 2015, de implementar a língua árabe nas escolas públicas municipais da capital do Rio, uma parceria entre Qatar Foundation e a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro (CAFFARO, 2020). Embora tenha sido uma ótima iniciativa, o projeto não teve continuidade.
Com a mesma perspectiva de levar a língua, literatura e cultura árabe para as escolas, o Setor Árabe da UFRJ abriu recentemente um projeto de extensão em parceria com a Escola Municipal Minas Gerais, localizada na Urca.
Os alunos da Graduação de Letras: Português-Árabe, orientados por docentes do Setor, farão a tradução de literaturas árabes, e posteriormente, alfabetizarão os alunos dessa escola a partir desses textos autênticos.
Dado isso, destaca-se que os Estudos Árabes no Brasil ainda é uma área em crescimento, pois existem muitos campos para pesquisa e estudos, oportunidades de abraços e trocas culturais, visto que a interação linguística entre sociedades distintas e o processo multicultural ao qual somos expostos, certamente nos obriga a valorizar os campos de estudos que envolvem diferentes culturas e línguas. É com anseio que seja possível, a partir da cooperação dos países árabes com as Universidades e o Governo Brasileiro, poder realizar obras que possam contribuir para o crescimento dos Estudos Árabes na atualidade.
Jordana de Souza Gonçalves/ Paulo Vinicius Marques da Silva/ Thaís Oliveira