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Entrevista: Pedro Simon “O Libanês tem grandeza, ele tem ideal.”

  • Como definiria a tua trajetória?

– Olha, vou ser sincero, meu bravo companheiro. Eu posso dizer para ti: eu tenho 93 anos, eu fui presidente do Senado, da Cadeira da Faculdade de Direito, presidente do grêmio estudantil do Colégio Rosário, vereador de Caxias do Sul, quatro vezes deputado estadual e líder do MDB e do PTB, 32 vezes senador,  governador do Estado. Uma eleição me roubaram escandalosamente e a outra eu ganhei. Fui ministro da agricultura.

Quando nós derrubamos a ditadura, elegemos o Tancredo… Ele não podia fazer o que  fez com a gente, não podia ter morrido, ainda morreu e deixou o Sarney de presidente. E foi uma das coisas que eu me orgulho muito, fui líder do governo de Itamar Franco. Na minha opinião, um dos maiores brasileiros que nós tivemos. Pela obra que ele fez, pelas realizações que ele fez. Vi de tudo.

Olha, quando veio o AI-5, fecharam a câmara, fecharam o Senado. Fecharam todas as Assembleias Legislativas, a imprensa virou um caderninho de recado, foi a coisa mais bárbara que teve. E, no entanto, nós lutamos, lutamos, resistimos. E o meu ex-MDB, quando ninguém imaginava que podia acontecer, aconteceu. Todas as Assembleias fechadas e o Congresso fechado.

A imprensa sob censura total. Total. E nós do MDB do Rio de Janeiro, o presidente da Assembleia, deputado Valdir Lopes, do MDB, elaborou para nós um dossiê da vida da Assembleia Legislativa. Toda a vida da Assembleia Legislativa.

Olha, é um orgulho que eu tenho. Dignidade, seriedade, correção, uma coisa espetacular. Levou para o presidente Costa e Silva, que era primo dele, da mesma cidade dele, Lajeado. Entregou e disse, olha, primo, essa aqui eu não sei, eu estou te entregando para ti, ninguém sabe que eu vim entregar para ti. Agora, eu gostaria que tu olhasse. Costa e Silva chama o Golberi, que era o homem do SNI e chefe da Casa Civil. O Golberi olhou, falou, fez SNI, investigou aqui, investigou lá e voltou para… E aí? Presidente, é impressionante, mas é a Assembleia Legislativa, é séria, não vejo uma vírgula de coisas erradas. Então, o que eu faço? Você pode fazer o que quiser, meu filho. Se o senhor quiser fechar que nem as outras, fecha e não diz uma palavra, não tem que fechar. E se o senhor quiser mostrar exemplo, abre e diz o porquê abriu. E o Costa e Silva, que era gaúcho, deixou aberto. A Assembleia aberta.

Imagina você, Senado fechado, câmara fechada, tudo fechado, ninguém podia abrir a boca, imprensa fechada. E aí um grupo, nós nos reunimos. E resolvemos fazer um bom projeto.

Eu criei um movimento onde chamei praticamente todos os partidos e fizemos uma caminhada. Uma caminhada de contra – revolução. Reuni em Porto Alegre, no Plenário da Assembleia, todas as lideranças de oposição no Brasil. O Brizola, o Lula, o Arraes, o Covas, todos estavam ali. Aí nós decidimos. Primeiro, nós não vamos topar a luta armada. Não é que nós tivéssemos medo. É que nós não tínhamos chance de ganhar. Eles tinham tudo, o exército, a marinha, a aeronáutica, os empresários, a Igreja Católica, com Deus, Pátria, Família e o Rosário e nós não poderíamos não ganhar. Mas vamos fazer caminhada. 1. Vamos fazer a caminhada pelas diretas já. 2. Assembleia Nacional Constituinte. 3. Anistia. 4. Liberdade de imprensa. E começamos a trabalhar. E foi crescendo e foi crescendo e foi crescendo. E olha, um milhão de pessoas no Rio de Janeiro, um milhão e duzentas mil pessoas em São Paulo, foi um colégio eleitoral. O que aconteceu?. Fizemos a movimentação, não somos tão queridos quanto era nosso candidato a presidente. E conheci Sarney. Eu sabia que era presidente do Arena, veio para ser o nosso vice e nós ganhamos espetacularmente.

Eu acho que, com toda a sinceridade, foi um momento importante e foi o momento em que o Brasil esteve presente. E foi um momento em que nós realmente, pacificamente, repare você, sem dar um tiro, sem a guerrilha, sem a luta armada, era um motivo para a violência do governo, que a pretexto de alguém se levantar numa cidade do interior e fazer com aquele momento, eles iam lá e arrasavam. Nós tivemos a consciência de que era preciso fazer e fizemos. Por isso é que eu vejo agora as coisas como estão acontecendo hoje e fico me perguntando. Por que isso aconteceu? O Brasil estava normal, a operação Lava Jato estava espetacular. Essa foi uma outra coisa da maior importância. A corrupção está crescendo demais no Brasil.

O Supremo Tribunal terminou, criou uma decisão, que dizia o seguinte, vai para a cadeia quem for condenado em última instância. O que aconteceu? Crimes comuns não tinham nenhum problema, o juiz julgava e ia para a cadeia quem roubava galinhas, roubava isso, agora, crimes políticos, o cara roubava, ou seja, o que for, e era processado. O juiz condenava ou absolvia. De qualquer maneira, ele recorria. Recorria para o Tribunal. Tribunal condenava. Ele recorria para o tribunal de Brasília. Superior Tribunal. Ele corria para o Supremo. E o que aconteceu? Levava tanto tempo… Chegava no tribunal de Brasília, o ministro que recebeu para relatar, botava na gaveta. E não acontecia nada. Resultado, prescrevia e estavam todos soltos. Não teve ninguém nesses 40 anos que foi para a cadeia por ser ladrão. O Supremo tomou uma decisão. Ele fez assim e mudou. Aliás, mudou, terminando. Vai para a cadeia quem é condenado em segunda instância. O réu era condenado pelo juiz. Recorria. Era condenado no segundo tribunal. Recorria. Mas ia para a cadeia. Então, de repente, quem que era trânsito em julgado foi para a cadeia?

O Maluf, o presidente da Câmara, o governador do Rio de Janeiro, uma montanha de gente foi para a cadeia. O presidente de Odebrecht foi para a cadeia e teve que pagar uma indenização de não sei quantos filhos. O Brasil estava avançando… Aprovou-se a lei da Ficha Limpa, que o cidadão tinha que ter Ficha Limpa, nós estávamos no caminho certo. De repente, não é que de repente, tudo voltou atrás. O Supremo voltou atrás, soltou todo mundo… dizendo que não estavam certas as unificações, que o processo não podia ser em Curitiba, tinha que ser em Brasília, que era a capital, anularam. E soltou todos. E hoje está tudo solto.

Você não sabe o que vai fazer? E aquele dinheiro? São não sei quantos milhões que o governo arrecadou das pessoas que roubaram. Tem que devolver ou não tem que devolver? Então o Brasil viveu esse momento em que o governo e o Supremo, infelizmente, e o Congresso Nacional fizeram uma reviravolta.

E hoje, com todo o coração, eu gostaria de ter meus 30 anos para começar tudo de novo, porque eu acho até mais duro esse momento do que antes, porque é uma espécie de, não sei, essa seleção que há entre nós, o presidente que tem um comportamento muito irregular. A gente diz que talvez ele não passasse no exame psicológico, psicotécnico para fazer a carteira de motorista. Era capaz de ele não se estilhar. E o outro, condenado, não foi absolvido, não aconteceu nada, voltou e ganhou a eleição. E domingo aconteceu o que aconteceu. Olha, coitado do nosso país, que nós conseguimos lutar, resistir. Levamos tanto tempo para reconquistar a democracia, mas… mantínhamos a capacidade de ser. Hoje não sabemos o que vai acontecer. Não sabemos para onde nós vamos, como é que nós estamos caminhando. Estamos numa interrogação que eu espero que a justiça seja feita.

Mas espero que não haja um desmando exagerado de lá e de cá. Agora estamos numa interrogação. Para onde vamos e para onde não vamos? As primeiras decisões foram interrogativas. O ministro da Justiça garantiu que está tudo certo, não tinha problema. Deu tudo errado. Aí ele deu a culpa para o governador do Rio de Janeiro, o secretário de segurança, que foi o ministro da justiça do Bolsonaro.

* O que nos espera depois da Lava Jato?

  • – Eu fiquei no Senado 32 anos. Durante muito tempo, nós queríamos criar a CPI dos corruptores. Não deixaram criar. O Lula, presidente da República, não deixou criar. O Sarney, presidente da República, não deixou criar. O Fernando Henrique, presidente da República, não deixou criar. E no Congresso, a maioria não deixou criar. Uma CPI não se conseguia criar. Foi tanto que quando deu o estouro, saiu a operação que você falou, as mãos limpas. Eu fui para a Itália, conversei com os procuradores daquela operação. Os trouxe ao Brasil. E no Brasil, o presidente Fernando Henrique, o que foi durante uns oito anos procurador, não fez uma condenação, não fez uma denúncia. Era o arquivador geral da nação. Mas nós pegamos os procuradores, os auxiliares, aqui, todos revoltados, e condenamos com eles. São Paulo, Rio de Janeiro, e aí conseguimos. Como é que nós conseguimos? O presidente da República, o presidente do Senado.Baita, companheiro, líder, grande. Nós entramos com o pedido de CPI no Supremo. Entraram com o pedido, a Assembleia não respondeu, o presidente do Senado não respondeu, nós fomos ao Supremo.E o Supremo, na reunião normal, mandava para o plenário. E o plenário também ia recusar. Mas aí o presidente do Supremo, por conta própria, mandou instalar. Instala-se. Foi um tufão, o que aconteceu, o que não aconteceu, e a comissão foi instalada. E a comissão instalada, as coisas foram acontecendo, foram acontecendo, foram acontecendo, e a operação Lava Jato nota 10.

    O grande erro do seu presidente foi que ele boicotou a Lava Jato. Quando ele se elegeu presidente e quando ele escolheu o Moro para ser o juiz encarregado da coisa, ele tinha uma expectativa de grande equilíbrio e as coisas eram certas. De repente, depois, não se sabe por quê, o tribunal mudou. E o presidente mudou. Foi e cortaram tudo, voltaram atrás, tem que ser condenado por unanimidade. E o que é que fizeram? Soltaram todo mundo. Todo mundo está solto. E o que é mais importante, quer dizer, o Lula foi condenado no fórum de Curitiba, foi condenado no Tribunal Superior aqui de Brasília, foi condenado no Tribunal de… Então, Tribunal Superior aqui, depois no Tribunal de Porto Alegre, depois foi condenado no Tribunal de Brasília, e depois foi condenado no Supremo. O relator, o ministro relator, que assim põe o relator que estava cuidando da matéria, de repente, disse que… Olha… Esse processo está correndo aqui, começou em Curitiba. É errado. Está nulo e acabou com tudo.

    Acabou com tudo! Então os caras… O Lula não foi absolvido, não foi. Não foi absolvido. Ninguém acabou com tudo. E hoje nós estamos nessa realidade que está aí. Quer dizer, o Tribunal que acabou com tudo, que é um escândalo, na minha opinião, podia então dizer o seguinte, então vamos abrir um prazo para refazer. Não. Acabou com tudo. Essa é a dura realidade que nós fizemos. Dizia as coisas, as bocadilhas, o afogadilho, ele fez e praticamente rompeu com a China. Aí o vice-presidente e o ministro da cultura foram lá refazer. Não deixaram a terceira via aparecer, é Lula ou Bolsonaro e o resto ficou assistindo. E agora estamos aqui, vendo o que o Lula vai fazer… o que a cultura vai fazer e o que o Brasil vai assistir.

     

    * O Líbano é país que sempre passou por sofrimentos, o que pensa disso?

  • – Não tenho nenhuma dúvida, que as lições de heroísmo que o Líbano está apresentando são fantásticas. O Líbano, pela sua tradição, pela sua história, lá nos fenícios, que deram uma demonstração espetacular disso. A pessoa se desenvolveu, avançou, a democracia, a liberdade… O povo, meu pai sempre dizia: nosso país, nós somos inteligentes, nós somos o Congresso… Temos o Executivo e temos o Presidente é um, o Presidente da Câmara é outro e o Primeiro Ministro é outro.E isso de repente terminou na confusão que deu, na confusão triste que deu. O Líbano era um país pacífico, ordeiro, respeitoso, estava muito bem. Aí acontece uma coisa que não podia ter acontecido. Eu acompanho e sofro muito com o Oriente Médio.Acho que está certo, quando terminou a Segunda Grande Guerra, reuniram Inglaterra e França, que dominavam ali, no Líbano, na Síria… Se reuniram na ONU e fizeram um entendimento. Só que esse entendimento foi o desaparecimento do Estado da Palestina, que tinha Palestina, mas que eles queriam trazer os judeus para criar o Estado de Israel. Então eles quiserem criar o Estado da Palestina e criar o Estado de Israel. O Estado de Israel, do mundo inteiro, mandou gente para lá, com força, com o apoio da humanidade, e até hoje não deixaram criar o Estado da Palestina. Então, eu vi a luta, e naquela luta, qual era o nome do Palestino que ficava no norte do Líbano, ali no sul do Líbano, do lado do Estado de Israel. E nessa luta, então começaram a bombardear os palestinos que estavam no Estado do Líbano, e começou a destruição. Quer dizer, o Líbano entrou, na verdade, pagando um preço que não merecia.

    E de lá para cá o Líbano vem lutando. A reconstrução do Líbano. Eu estive no Líbano, cheguei no Líbano, fui à revelia. A revelia que eu digo, fui. Eu fui ao Líbano, estava na descida do Aeroporto, estava o embaixador do Brasil lá. Ele foi bravo, eu não podia ter ido, estava em guerra. Eu disse, eu não vou, não irei para a embaixada do Brasil. Aquela noite a embaixada foi bombardeada dizia-me, dizia-me, vocês conhecem a experiência dramática que está ali. Eu senti o Líbano, vi meus parentes, eles são do “Kfur el arab”, lá em cima, perto de Trípoli.

    Senador, se seu pai hoje tivesse vivo, se pudesse voltar hoje, o que ele diria?

  • – Que valeu a pena. Valeu a pena. Olha, meu querido. O meu pai veio do Líbano, ele e a minha mãe, as minhas duas irmãs, uma com 6 anos e outra com 4 anos.Aqui no Brasil nasci eu e nasceu uma outra irmã. Meu pai era fantástico, era um poço de sabedoria. Coisas da vida, as lições da vida, ele ensinava de uma maneira que era para durar a vida inteira. Uma vez eu cheguei em casa com brinquedos diferentes. Olha que é isso, meu filho? Eu encontrei… Como encontrou? Não encontrei, era para parar e botar no meu lugar. Tu não comprou, tu não dá no bote. Ele era de uma rigidez. E nós fomos criados assim.Ele amava demais o Líbano. É interessante ver a saudade e como os libaneses sentem esse amor pelo Líbano e como é interessante essa dualidade. Meu pai era libanês, amava o Líbano, mas amava o Brasil. Amava o Brasil. Quando me elegi deputado pela primeira vez, ele sentia que alguma coisa estava acontecendo. Eu digo com toda sinceridade.

    Quando teve a guerra, o Líbano não entrou. Depois, na reconstrução, eu fiquei muito amigo do Hariri. Quando ele fez aquele trabalho de reconstrução, foi uma coisa meio milagrosa, como é que conseguiu fazer, e de repente, o que tinha sido destruído, quando vi aquilo construído, parece que um milagre aconteceu. Os caras mataram o homem.

    E hoje o Líbano vive uma crise que eu acho realmente muito difícil. Eu acho que… Eu sei. Israel… O histórico tem direito a existir, essa coisa toda, mas acho que os palestinos também têm direito a ter a terra deles, a pátria deles.

    Agora, o libanês é uma coisa fantástica. Ele nasce. Acho que ele é diferente. Ele tem espírito, ele tem grandeza, ele tem ideal. Ele vê as coisas com outros olhos, as planícies do Líbano, a árvore do Líbano. O meu pai, meu Deus do céu, quando ele falava do Líbano, chegava às lágrimas. E contava as histórias.

    E contava a história do pai dele, a história da luta, a história da agricultura, a história da Síria ali do lado. Eu acho que o povo, nosso querido povo, ele é realmente uma situação especial. O libanês, e aqui no Brasil, em Caxias, que é a minha terra, eram nós, os Sebes, as quatro, cinco famílias. O resto era tudo italiano que veio da Itália. Gênero da Itália atravessaram o oceano. Ganharam as terras do imperador e construíram essa cidade espetacular que é a gente. A convivência da nossa comunidade é sensacional. Sem essa amizade, o carinho, o afeto que a gente teve, é uma coisa realmente espetacular. Esse é o libanês, São Paulo, meu Deus do céu. E tem uma coisa que eu admiro, é o hospital libanês e o hospital israelita. Os dois, um maior que o outro, o menor que o outro, cada vez numa disputa saudável e positiva. Este ano… O Hospital libanês vai fazer esse novo setor. E nós, os israelitas, vamos fazer isso para o Brasil. E numa confraternização, estão os grandes dois estados, os dois, o que tem de mais importância hoje em São Paulo.

    Então, eu vejo que, nessa hora que nós estamos vivendo, que é uma hora tão triste, tão difícil. Eu fico a me perguntar… O mundo é ingrato, o mundo é mau? Porque para você, para o mundo árabe, é uma confusão tão grande, e os grandes geram essa confusão porque não querem que se tente. Os de fora fazem essa confusão, aqui, ali, lá, porque não querem o entendimento que levaria para a explicação. E o Líbano, a vida inteira, é pacífico. Não tinha exército, não tinha arma, não tinha… Estava muito bem, respeitava-se muito, o país crescia. Até pouco tempo Beirute era chamado da Paris do Oriente Médio, porque tinha tudo que tinha Paris e mais tudo do mundo árabe. Eu me lembro das pessoas contarem as maravilhas que eram as maravilhas de Beirute. Hoje nós somos essa interrogação, interrogação triste, para onde é que nós vamos, o que nós vamos fazer? Eu topo participar da cruzada no sentido de nós, nós, libaneses, olharmos e vermos o que podemos fazer.

    * Tantos de origem libanesa na política e também  nas artes, educação etc? A quê atribuí esse fenômeno?

– É uma coisa muito lógica. É o povo libanês, é o sangue libanês, é a alma libanesa. Aquilo que tinha no Líbano, esse pessoal veio para cá e teve uma coisa realmente bonita e positiva. Meu pai viveu chorando pelo Líbano, adorava o Líbano. Foi ao Líbano várias vezes que tinha o maior respeito, mas gostava do Brasil também. Ele respeitava o Brasil, ele confiava no Brasil. Ele achava que o Brasil tinha que ser. Então, o libanês tem o espírito, o sangue, a cultura, a raça, a nacionalidade, a fé, a religião. Isso o libanês tem demais até, é um povo que tem cultura, tem fé, tem esperança e tem capacidade de pensar, de repetir e decidir. É o caso lá de Caxias, é a colônia italiana, a colônia italiana, aqui no Rio Grande do Sul. E São Paulo, meu Deus do céu, São Paulo, a colônia libanesa, é maior do que o do Líbano. Os descendentes de libaneses hoje em São Paulo são maiores do que o próprio Líbano. Quer dizer, e o ambiente que vive, se dando bem com Deus e todo mundo, quer dizer, o ambiente e isso que você está dizendo, na cultura, nas artes, no cinema, na música, na política, nós temos realmente o descendente libanês tanto presente e com a tranquilidade de dizer eu amo o Líbano e eu amo o Brasil.

  • Esse Líbano, ele está dentro do senhor ou apenas está numa saudade do seu pai?
  • -Não, por intermédio, meu pai e dos patrícios, eu cresci assim.Eu cresci amando o Brasil, amando Caxias. E eu cresci amando o Líbano. Eu, a minha irmã, a minha família toda, vivemos a dualidade com muita competência. E uma coisa que é interessante, nós, Caxias… convivemos com os italianos e eles amam o nosso Líbano, como nós gostamos da Itália. Então, tivemos uma amizade, eles viram a nossa festa da independência, e nós virmos a nossa festa deles. Quer dizer, isso é uma coisa que é bonita, porque não é uma coisa tática, não é com interesse ou nada, não é a beleza de uma cidade como o Líbano, é a beleza da história do Líbano. A beleza é isso que vemos, certo? O libanês já tem que acertar, que sabe tudo, conhece onde ele vai, está certo, mas é um lado positivo. Com essa disposição, com esse espírito de fazer, ele muitas vezes faz e muitas vezes acerta.* Dizem que na diáspora o libanês  é muito bom no individual, mas no coletivo é um fracasso. O que o senhor acha disso?
  • – Em parte tem razão. Agora, também tem faltado, veja… Eu vejo, por exemplo, agora, a vez passada, estive em São Paulo, aquele clube Monte Líbano, é fantástico, é uma demonstração de pujança, mas eu não saberia te responder, essa sua pergunta é muito pesada, é muito difícil, porque, na verdade, todo mundo gosta do Líbano, todo mundo defende o Líbano, mas medidas concretas não são tomadas.O povo libanês aqui no Brasil é patriota, gosta do Líbano, se interessa muito. A primeira coisa que fazem quando melhoram de vida é ir para o Líbano, ajudar as famílias, etc. Mas esse sentimento que você está falando, realmente, eu não sinto. E acho que está aí uma coisa que.. Não sei se já foi feito, mas a Academia pode fazer isso.Meu pai morreu com a carteira 19. Meu pai não tinha nem passaporte libanês. A carteira 19 foi expedida pela Turquia. E lá em Caxias, durante muito tempo, éramos chamados de turcos… Eu até falava, vocês não estão me ofendendo, me chamando de turco. Turquia é um grande país, mas eu sou libanês, e eu dava a explicação toda. Quando terminava a reunião, eles diziam, como fala bem esse turquinho! E ficamos chamados de turco por causa da carteira 19. Mas o meu pai nunca aceitou se naturalizar. Ele dizia: eu gosto do Brasil e gosto do Líbano. Eu nasci libanês e quero ficar libanês e morar no Brasil. E já velho, a gente foi para o Líbano, era uma emoção ele contando a história, ele dizendo aquelas coisas… Não, porque o figo no Líbano é fantástico, a azeitona é enorme.

    * É verdade que o Sr. é franciscano e fez voto de pobreza?

  • Essa casa que eu moro aqui, em Porto Alegre, é dos meus filhos. Eu não tenho patrimônio, absolutamente nada. Eu vivo da pensão que recebo. Não tenho casa, não tenho apartamento, não tenho negócio, não tenho dinheiro, etc. Nunca me preocupei em somar, em ganhar.Quando eu estava no Ministério da Agricultura, algumas pessoas se uniram e apresentaram um projeto. Neste projeto solicitavam que o Ministério da Agricultura baixasse um decreto proibindo que as fábricas brasileiras de adubo pudessem usar materiais que são proibidos em alguns Estados. Tinha um adubo americano cheio de agrotóxicos que era proibido.Não queriam entrar no Congresso Nacional, porque os donos da Atum, eram tão poderosos que não deixavam, não passava no Congresso Nacional. Eu estive lá tanto tempo e nunca consegui passar uma lei que regimentasse o uso do adubo. Resolvemos fazer uma portaria. Uma portaria determinando que é proibido fazer no Brasil. E entrou. E tem um estouro enorme.

    O meu chefe de gabinete, era o COF, que foi presidente do CREMO, grande companheiro, ele recebeu um cheque e uma montanha de dinheiro para nós retirarmos o projeto. Aí ele veio falar comigo, olha, senhor Ministro, é assim, assim, assim, e eu disse, é claro que não, não vou fazer, mas ele apresentou o cheque mesmo assim, e eu o coloquei na rua. Disse a ele, que deveria ter marcado com ele e recebido o cheque no teu hotel de noite. E de noite, quando ele te apresentasse o cheque, você gravava a conduta dele. Eu tive chances de ganhar, eu tive, com toda a saciedade.

    Eu acho, da história da humanidade, da Igreja, da fé, o São Francisco foi fantástico. A vida dele, a humildade dele, ele se criou voltado para o bem, voltado para Deus, voltado para o respeito da criatura humana. E a pobreza, por exemplo. Pobre, zero. Uma das coisas mais fantásticas da história da Igreja Católica foi quando ele, sua família era de Ronaio, cheia de riqueza, e ele saiu, recebeu uma visão de Jesus, Jesus tinha dito a ele, vai reconstruir a Minha Casa, e ele foi por aí, se meteu principalmente com os leprosos, e foi criando, foi criando, foi criando uma grande comunidade para ajudar esses necessitados.

    Realmente, ele conseguiu avançar e conseguiu crescer. Foi uma figura que, para mim, na minha opinião, na Igreja, a figura que tenho maior devoção é de São Francisco. E eu tenho esse espírito, não é nada, não tenho nada. Não falo, não discuto. Você me fez a pergunta e eu estou respondendo. Eu sou franciscano. Eu, na verdade, sou um pobre que não tem patrimônio e não me arrependo. Meus filhos estão bem, graças a Deus.

    * Conte-nos sobre teus pais, e a sua família.

  • – Meu pai veio do Líbano e voltou para visitar várias vezes, mas morreu aqui. Morreu há uns 75 anos. Olha, era uma pessoa sábia. Tinha uns princípios árabes, as histórias que ele contava, era uma coisa toda realmente emocionante. Emocionante mesmo. Minha mãe era também libanesa, e os meus pais vieram casados do Líbano, com as minhas duas irmãs mais velhas nascidas lá. Agora, quando vieram para cá, tivemos mais duas irmãs, a minha mãe morreu muito cedo. Eu sou mais moço, tinha três irmãs. A última faleceu agora com 97 anos, seis meses atrás. A outra morreu com 92 anos e a outra morreu com 85 anos. E eu que sou mais moço, estou vivo aqui.Não falo muito o árabe, porque não tinha mãe. Então, o meu pai aqui falava umas palavras em francês, outras em árabe, outras em português. Meus filhos já foram para o Líbano. Gosto de lá e acho muito bacana porque eles têm alegria. A verdade é que o pai, a gente debate com o filho, conta a história a qualquer momento… No Líbano é diferente. E é uma coisa interessante. Parece que gostar, amar o Líbano, falar do Líbano, é uma coisa que vem da alma, de pureza.  Eu acho fantástico. Sinceramente, eu sempre coloquei na minha vida o carinho, o respeito que eu tenho por Deus.Meu hobby sempre foi a leitura. Quando eu era pequeno, eu dormia muito pouco. Meu pai era viúvo, eu dormia com ele. E ele exigia que eu apagasse a luz. Então eu pegava um bico de luz, virava de lado para ele, botava ali e ficava lendo a noite inteira, ele não sabia. Sempre gostei de ler.

    * De onde o senhor acha que vem essa oratória, esse dom da oratória? Porque o senhor fala com as mãos também, isso ajuda quando vê na televisão, as pessoas ficam impressionadas.

– Teve uma coisa interessante, nunca fiz curso nem nada, eu era muito pequenino, até os dois anos via com a vela na boca, mora e não mora. Cresci e fui adiante, mas sempre muito pequenino. Eu estava no colégio, na terceira série, ginasial, mas eu era pequenino, e fizeram um concurso de oratória no colégio. E me colocaram nesse concurso, e até hoje eu não sei o porquê. E eu nunca tinha a tendência a ser orador e fiquei em segundo lugar.

Veio a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República. Ele foi derrubado em 1945, e em 1950 ele foi candidato à presidência. E ele que andava presidente do Rio Grande do Sul naquela época fez dois comícios no Rio Grande do Sul, um em Pelotas e um em Caxias. No comício em Caxias tinha um mar de gente de todo o Rio Grande do Sul, porque era a única oportunidade.

Aí estava o presidente Zui, estava reunindo o pessoal, e todos os que eram candidatos a deputado, queriam falar. Veio a pergunta: “e aquele turquinho que falou ontem lá no negócio do Siqueira”? Quando fui chamado fui e disse o que falei. Getúlio gostou me abraçou, me beijou. E a forma que eu iniciei na oratória foi da maior ingenuidade do céu para a terra. Ninguém imaginou que eu, um turquinho todo pequenino, falaria para o presidente da República e o presidente da República gostaria e o abraçaria. Foi quando eu comecei. Agora, realmente é isso. As pessoas, quando eu falo, elas sentem que estou dizendo o que eu sinto. Eu falo com a alma. Eu não rodeio. É isso assim. Quando tem que dizer as palavras, digo as palavras que têm que ser ditas e digo aquilo que eu penso.

Foi uma emoção muito grande participar. Participar de uma vivência do nosso Líbano, e o meu filho está dizendo isso. Eu tenho vontade de não morrer antes de voltar ao Líbano.

 

 

Equipe da Revista e do Blog

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