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Gibran e o Exílio

O escritor libanês mais popular no Ocidente, talvez seja Gibran Kahlil Gibran. Nascido em uma família cristã maronita, em 1883, na cidade Bshari, no vale de Kadisha, norte do Líbano, teve sua infância marcada por dificuldades, já que a família lutava para sobreviver em uma região com poucas oportunidades econômicas. Mas, apesar das dificuldades, sua mãe Kamila Rahma se preocupava com a formação cultural de seus filhos, e Gibran teve acesso ao melhor da educação formal, estudando inicialmente,  na escola de Mar Elichaa onde aprendeu os fundamentos do árabe e do siríaco. Depois, passou a frequentar a escola primária de Bshari.

O pai, Khalil Saad Gibran, trabalhava para a administração otomana e foi acusado por desfalque, sendo preso e tendo a maior parte das propriedades da família confiscadas. Por isso, em 1894, após Khalil ter sido libertado, Kamila Rahma decide partir para os Estados Unidos, com suas duas filhas, o filho mais velho, Butrus e o menino Gibran, contando com 12 anos, a decisão foi tomada por Kamila, pois queria ficar meio que longe dos olhares desconfiados e acusatórios da vila, todos partem, exceto o pai de Gibran.

A escolha dos Estados Unidos não foi aleatória, no final do século XIX e início do XX, os levantinos, ainda súditos do Império Otomano, escolhiam o país norte-americano para buscar melhores oportunidades sociais e econômicas. Neste período, o fluxo migratório de sírios e libaneses aumentou significativamente.

Por um lado, havia o fator econômico, a crise da indústria da seda foi o principal motivo para a imigração e por outro, politicamente, a ascensão do movimento dos Jovens Turcos com sua política autoritária que levava a repressão e a perseguição nas províncias otomanas.

Consequentemente, muitas famílias imigravam para os Estados Unidos, Argentina e Brasil, aquelas que iam para a América do Norte se  estabeleciam em cidades como Nova York, Detroit e Boston, onde procuravam trabalho nas indústrias manufatureiras e no comércio.. Os primeiros que chegaram, já estabelecidos, formavam a rede de solidariedade para receber novas famílias, e a família de Gibran era uma delas. Kamila começa a trabalhar como costureira vendendo sua produção de porta em porta, logo depois, passa a costurar em casa com suas duas filhas e Butrus vendia em seu pequeno comércio a mercadoria produzida por elas.

Enquanto a família trabalhava, Gibran trilhava seus caminhos na formação cultural, a família o matriculara em Quincy, numa turma de filhos de imigrantes de diferentes nacionalidades, este era o primeiro do menino Gibran com a diversidade cultural americana.

Paralelo aos estudos formais, a influência da mãe de Gibran foi determinante para seu crescimento cultural e fortalecimento do vínculo com a língua e cultura árabe, mesmo vivendo no “mahjar”. Kamila  contava lendas típicas da cultura libanesa para o menino Gibran, e foi ela que, ainda, estimulou o seu gosto para a música e o desenho. Quando ele completou 15 anos, ela o enviou para estudar no Líbano, retornando aos EUA quatro anos depois, em 1902, porém um ano depois, sua mãe e irmão morreram, marcando profundamente o jovem escritor, suas irmãs assumiram a criação do adolescente, e continuaram a estimulá-lo para a vida literária.

Durante sua vida nos Estados Unidos, Gibran também teve contato com alguns dos grandes artistas e escritores da época, como Auguste Rodin, Carl Sandburg e Mary Haskell.  Essa tornou-se uma grande amiga e sua protetora, apoiando-o financeiramente e emocionalmente ao longo de sua carreira. Sua primeira coletânea de poemas em árabe foi publicada em 1906, intitulada “As Ninfas do Vale”, sua obra destaca-se pelos temas como o amor, a liberdade, a espiritualidade e a busca pelo significado da vida.

Apesar de ter passado grande parte de sua vida no exílio, Gibran nunca se esqueceu de suas raízes libanesas e frequentemente escrevia sobre temas e experiências do Líbano. Ao longo de sua vida, visitou o seu país de nascimento algumas vezes, incluindo uma viagem significativa em 1920, durante a qual buscou inspiração para escrever “O Profeta”, a obra que o levou a um reconhecimento mundial.

Publicado há exatos cem anos, “O Profeta” é composto por 26 capítulos, cada um abordando um tema diferente, como amor, casamento, filhos, trabalho, espiritualidade e exílio, e este tema será o nosso recorte.  O livro foi muito popular na  década de 1960, vendendo cinco mil cópias por semana, fazendo com que ficasse atrás apenas de William Shakespeare e Lao Tzu.

O personagem principal é Almustafa, que em árabe significa o “Escolhido” e o “Amado” (Al – Mustafá), assim como Gibran é também um exilado. Almustafa vivia na cidade fictícia cidade de Orfalese, tornando-se o “amado” e o “escolhido” pelos habitantes.  Doze anos depois, é chegada a hora de sua partida. Antes de deixar a cidade, é abordado por uma multidão de pessoas pedindo que ele compartilhasse seus conhecimentos e sabedoria.

Assim, Almustafa começa a falar sobre diferentes aspectos da vida, tocando em questões profundas e universais. Ele aborda temas como a dor, o amor, a amizade, a culpa, a liberdade e a morte. As reflexões de Almustafa são apresentadas em forma de poesia, de uma maneira simples e profunda. Existem muitas lições valiosas em “O Profeta”, como a importância de amar a si mesmo e aos outros, o valor do trabalho e da honestidade, e a necessidade de se aceitar a dor como parte da vida. Mas, como já dito, vamos tratar aqui de um tema que está também presente na obra: o exílio.

Gibran era um escritor da diáspora libanesa nos EUA e como todos os imigrantes, vivia entre duas culturas:   a árabe-libanesa e a americana, esse conflito, marca dos diaspóricos, o levava a buscar um entrelugar para ser uma unidade e como seu alte rego, o personagem Almustafa, vive em constante deslocamento, sempre no movimento de desterritorialização e e reterritorialização. Almustafa fala sobre a saudade da terra natal e da sensação de solidão que o acompanha no exílio, quando afirma que mesmo se afastando da terra em que se nasce nunca se poderá afastar da nostalgia que persegue o imigrado “ o exílio é a solidão daquele que se vê desterrado de sua pátria”.

A obra aponta ainda para o exílio interior, em que o indivíduo se sente distante de si mesmo e dos outros. Sob esse viés, recorremos para o pensador palestino Edward Said (1935-2003) que em “Reflexões sobre o Exílio” (Companhia das Letras, 2003) mostra que o exílio representa uma ruptura

com o passado e com as estruturas de poder que governam a vida dos exilados. Isso pode levar a uma sensação de deslocamento, perda de identidade e alienação.

No entanto, Said também afirma que além de ser uma fonte de resistência política, o exílio também pode ser uma fonte de criatividade e inovação cultural. Os exilados muitas vezes encontram maneiras de se adaptar a novos ambientes, integrando elementos de suas culturas de origem com as novas culturas que estão sendo expostas ou, ainda, podem usar sua posição de marginalidade para desafiar e criticar as estruturas de poder que os forçaram a deixar seus países de origem. Essa mistura de influências pode gerar novas formas de arte e expressão cultural.  Portanto, para Said, o exílio é um fenômeno complexo, que pode ser tanto uma fonte de sofrimento quanto de criatividade e resistência. Porém, independentemente dos efeitos específicos do exílio, o pensador afirma que esta experiência deve ser levada a sério como um fator importante na formação da identidade cultural de uma pessoa.

Assim, analisando a obra “O Profeta”, de Gibran, à luz das reflexões de Said, observamos que estes escritores, em diferentes épocas, imigram para os EUA, com a mesma idade, ambos com 12 anos, ambos vivem o choque da diáspora e ambos trazem a experiência do exílio em sua obra.

Said analisa as formas pelas quais o Ocidente tem construído uma imagem do Oriente como uma entidade homogênea e exótica. Já em “O Profeta”, Gibran explora a busca por um sentido de pertencimento e a descoberta da identidade própria. O exílio é visto por Said como uma condição complexa, que pode ser entendida em diferentes níveis: desde o exílio físico, como a expulsão de um país, até o exílio interior, em que o indivíduo se sente desconectado de suas raízes, ele descreve o exílio como uma força que pode moldar a vida dos indivíduos e das sociedades.

Escritores como Said e Gibran, autores diaspóricos, foram envolvidos geograficamente na América, e foram espiritualmente algemados ao Oriente. A experiência do exílio, para Said, é marcada pela perda do lar e pela sensação de estar fora do seu lugar de origem. Ele acredita que esse sentimento de desenraizamento pode gerar uma profunda tristeza. Isso quer dizer, que nas reflexões de Edward Said, o exílio aparece tanto como uma “fratura incurável”, que produzirá uma tristeza que jamais poderá ser superada, quanto uma possibilidade de justapor diferentes perspectivas culturais, algo que reduzirá essencialismos e intransigências culturais, ampliando, por outro lado, a empatia com o outro, e também pode ser uma fonte de criatividade e renovação.

Nesta ordem, podemos constatar que tanto Edward Said quanto Gibran Kahlil Gibran, cada um em seu tempo, foram influenciados pelo exílio em suas obras, e isso é evidenciado em temas como a busca por identidade, a nostalgia pelo país de origem, a crítica social e a religião.

Gibran produz uma obra como “O Profeta” na qual o exílio é abordado como uma experiência da saudade, da solidão e da desconexão consigo mesmo e com sua essência.  Almustafa nos ensina que “você pode se afastar da terra que o viu nascer, mas nunca poderá se afastar da nostalgia que te persegue. O amor pela terra é como uma flecha cravada em seu coração. E o exílio é a solidão daquele que se vê desterrado de sua pátria.”.

O “O Profeta”, como todos os clássicos, é uma obra atemporal, que tem sido admirada por leitores de todas as idades e culturas ao longo de um século e que continua a inspirar pessoas em todo o mundo com suas mensagens de amor, sabedoria e esperança.

Profa. Dra. Muna Omran

Escritora, dramaturga, Doutorado em Teoria e História Literária pela Unicamp. Professora colaboradora do PPGL da UFF. Profa. visitante PUC-PR.. Membro da Academia Líbano Brasileira de Letras, Artes e Ciência, cadeira número 25, patrono Salim Miguel.

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