“ Não quero viver de regras, não criem uma só canção para minha vida… eu quero é uma grande trilha sonora ”.
Muito já se falou sobre a relação entre a literatura e o cinema no romance Nur na Escuridão de Salim Miguel, e certamente esta narrativa possui códigos e símbolos visuais que remetem à sétima arte, por estarem presentes no enredo do relato, fornecendo-lhe visibilidade e mutabilidade.
O uso do expediente do cinema, como analepse (ou flash back, construção de narrativa), além de primeiro plano, grande plano e plano fechado, acabam dando outras dimensões para a história sob o ponto de vista do narrador. Dessa forma, o romance de Salim Miguel torna-se, ao mesmo tempo, poético, descritivo…e cinematográfico.
Levando-se em conta essa abordagem, não há dúvida alguma de que a literatura transmite as suas ideias para as outras artes, e também para a música. Assim, podemos encontrar músicas inspiradas em livros, uma vez que até mesmo frases de uma obra literária ou de uma narrativa influenciam músicos a compor uma canção; por outro lado, livros adaptados para o cinema, são invariavelmente sustentados por belíssimas trilhas sonoras.
Quanto às músicas motivadas por livros, sejam de poesia, contos ou romances, podemos citar alguns grupos e músicos estrangeiros e brasileiros, entre muitos, que compuseram suas canções inspirados em clássicos da literatura, quais sejam:
Estrangeiros:
David Bowie – 1984 | Livro: George Orwell – 1984 / Led Zeppelin – Ramble On | Livro: O Senhor dos Anéis / The Strokes – Soma | Livro: Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo / The Kill – 30 Second to Mars | Livro: O Iluminado (Stephen King) / The Fool on the Hill – The Beatles | Livro: The History of Tom Jones, a Foundling (Henry Fielding) / “Misty Mountain Hop” – Led Zeppelin | Livro: O Hobbit/ Elton John – Rocket Man | Conto: The Rocket Man – Ray Bradbury/ Simon & Garfunkel – The sound of silence | Livro: Fahrenheit 451 (Ray Bradbury)/ The Police – Don’t Stand So Close To Me | Livro: Lolita – Vladimir Nabokov / Animals – álbum (Pink Floyd) | Livro: A revolução dos bichos – George Orwell / Who Wrote Holden Caulfield – Green Day | Livro: O apanhador no campo de centeio (J. D. Salinger) / The Rolling Stones – Sympathy For The Devil | Livro: O mestre e a margarida (Mikhail Bulgakov)/ Regina Spektor – Ghost of Corporate Future | Um Conto de Natal, de Charles Dickens.
Brasileiros:
Geni e o Zepelim (Chico Buarque) | Conto: Bola de Sebo (Guy de Maupassant)/ Alegre menina (Djavan) | Livro: Gabriela, Cravo e Canela (Jorge Amado)/ Epitáfio – Titãs | Poema: Instante, de Nadine Stair/ Caçador de mim (Milton Nascimento) | Livro: O apanhador no campo de centeio (J.D. Salinger) / Elegia (Caetano Veloso) | Poema: “Elegy: going to bed”, John Donne/ A revolta dos dândis (Engenheiros do Hawaii) | Livro: O homem revoltado (Albert Camus) / Amor é pra quem ama (Lenine) | Livro: Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa)/ Um Messias Indeciso (Rau Seixas) | Livro: Ilusões – Richard Bach/ Não: não digas nada (Secos e Molhados) | Poesia de Fernando Pessoa: Não diga nada!/ Amor I Love You (Marisa Monte) | Livro: O primo Basílio (Eça de Queiroz)/ A Hora da estrela (Pato Fu) | Livro: A hora da estrela (Clarice Lispector) / Monte Castelo (Legião Urbana) | Os Lusíadas (Camões).
O próprio título Nur na Escuridão já é cinema puro. No livro, podemos observar a frase “Nítida a cena” em vários trechos, introduzindo com ela uma ação, descrição de ambiente, apresentação de personagens, “flash-backs”, tantos elementos cinematográficos que saltam aos olhos feito filme dentro de um filme, um narrador de si mesmo e de personagens, por vezes observador outras participante da ação, e a família que vai girando em torno dos relatos e angústias feito caleidoscópio de recordações. O genitor. A mãe. Os irmãos. Os filhos. Netos. O silêncio. A saudade. O querer voltar para o Líbano. O desejo de ser enterrado perto dos parentes. As ruas. As avenidas. O rádio. O cavaquinho…
Mas, qual seria a trilha sonora desse livro? A reposta poderia ser a memória ou talvez a saudade? Pode ser…
Em Nur na Escuridão, Salim Miguel segue os movimentos de sua memória, misturando realidade e ficção, levando o leitor a um labirinto que permeia as reminiscências do passado, cheio de falésias e despenhadeiros, mas que, ao mesmo tempo, o afastam sempre do abismo do paradoxo.
Para isso, surgem algumas trilhas sonoras que podem se encaixar perfeitamente na narrativa. Assim, podemos evocar o compositor libanês de trilhas sonoras, Gabriel Yared, vencedor de Oscar pelo filme “O Paciente Inglês” (de 1996, dirigido por Anthony Minghella) onde ele diz: “Prefiro começar a compor antes da filmagem. Começo a pensar sobre a música logo após ler o roteiro e conversar com o diretor”.
Partindo dessa premissa, há alguns caminhos que nos dão dicas. Se olharmos pelo lado das saudades e da família, podemos ouvir ao longe canções libanesas e árabes de Feiruz, Wadih el Safi, Zaki Nassif, Oum Khaltoum ou Sabah, surgindo por entre as metáforas dos parágrafos; observando pelo lado da cidade do Rio de Janeiro, surgem a bossa nova, os sambas e os chorinhos por de trás dos verbos; e analisando o estado de Santa Catarina, podemos ouvir os longos bastões com seus variados ritmos e movimentos, trazendo com eles o “Tramadinho”, “Trenzinho”, “Zigue-Zague”,, “Feiticeira” e “Rede de Pescador”, nas entrelinhas dos capítulos. E lembrando que o Salim gostava das composições de Sérgio Ricardo…
O livro de Salim Miguel tem todos esses sons e mais alguns. Mas, no final do último parágrafo da obra, ele finaliza e dá a maior dica para a sua trilha sonora: “Terá cochilado? Vozes se alteiam, há um movimento incomum, chamam-no, desce, soluços e choros. Ao chegar ao último degrau da escada ouve a informação que o faz estacar, embora não lhe deva causar surpresa maior: o pai acabou de morrer.”
A trilha sonora era a voz do pai.
3 Comments
Very good explanation between music and literature
Thank you for your comment.
Penúltimo parágrafo…”Partindo dessa premissa…”, muito bem composto, parabéns pelo artigo!