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CRÔNICA: GEORGES – O primo de Washington de Salim Miguel (escrita por Salim em 1998)

Para esclarecer o título necessito recuar até a distante década de 20. E falar de minha família. O intento de meus pais era ir do Líbano para os Estados Unidos. Lá se encontravam irmãos de minha mãe. Mas, maktub, conforme gostava de repetir meu pai, imprevistos se interpuseram – e a família acabou no Brasil, onde ele tinha uma irmã.

Dou um salto. Estamos na década de 40. Em Florianópolis. Escassos os contatos com os parentes. Lembro, de modo vago, cartas em inglês. E é em 1959 que tomo conhecimento do primo George. Em resposta a carta que meu pai lhe mandou, dizendo que eu gostaria de me corresponder com ele, melhorar meu inglês de colégio, quem sabe receber alguns livros, George declarava ter ficado feliz com as notícias, ia mandar uns livros (mandou), seria bom nos comunicarmos mais e, quem sabe, um dia nos conhecermos.

A correspondência não prosperou. Entre o desejo e a concretização existem imponderáveis. Os contatos só iriam se restabelecer em 1992, quando se realiza, em uma cidadezinha americana, encontro de descendentes da família de minha mãe.

Não tive condições de ir. Mas La estiveram minha Irma, um irmão, um filho meu. Não demora, George vem para o Brasil.

Afinal meu leitor, a que vem todo este introito. Explico. Vamos lá: nascido no Líbano (Amioun, onde também nasceu minha mãe), George N. Atiyeh formou-se na Universidade Americana de Beirute; a seguir foi para os Estados Unidos, fez seu Ph.D, em línguas e literaturas orientais na Universidade de Chicago (tese sobre Avincenas, ou Ibn Cena). Ficou pelo EUA, lecionou em Porto Rico, acabou chefiando a divisão da Biblioteca do Congresso para a África e o Oriente Médio.

Considerado uma das maiores autoridades em cultura árabe, dominando numerosos idiomas, professor e pesquisador, ampliou aquele setor da Biblioteca de 80.000 volumes, em 1967, para 250.000 nos dias atuais. Tendo como base semente por ele lançada, participou da fundação da Universidade de Balamand, no Líbano, no local onde existia um Seminário Islâmico. E lutou pela recuperação de quase dois mil documentos antiquíssimos, da maior importância, que estavam não só se deteriorando, mas sob ameaça de desaparecimento devido a guerra do Líbano. Tais documentos se encontram hoje no Setor Árabe da Biblioteca do Congresso, em Washington. Não se definiu, ainda, se ditos documentos ficarão por lá ou retornarão ao Líbano. Mas isto, como diria Kipling, é outra história. Voltaremos a George: de sua produção salientamos obras como “Ali-Kindi, the philosopher of arab”; Arab and American Culture”; “Arab Civilization – Chalenges and Responses”; “Shukri al-khuri, the story of finyanus”, traduzindo do original árabe e com introdução dele. Fica-se assim sabendo que al-Khuri morou no Brasil, onde lançou o primeiro jornal árabe e teve importante papel na aproximação entre Brasil-Líbano.

Por tudo isto, e o mais que o espaço desta nossa conversa semanal não comporta, George N. Atiyeh recebeu, no dia 8 de maio, merecida homenagem, em Washington, (organizada pela Universidade de Balamand), a qual compareceram 350 personalidades , de vários países, entre elas  os embaixadores do Líbano, da Síria, da Arábia Saudita,

dos Emirados Árabes, de Marrocos, da Jordânia, autoridades do governo americano, professores. E, é claro, também do Brasil, minha irmã Hend, representando a família.

Sob a rubrica Focus e o título “A Leading Arab-American: Dr. George N. Atiyeh”, a revista ADC Times, de Julho /Agosto, 1992, pág, 10, conclui assim seu substancial artigo: “A Biblioteca do Congresso e o público americano se beneficiaram incomensuravelmente com os anos da administração do doutor Atiyeh. Por seu conhecimento e cuidado, a riqueza do mundo árabe e a literatura árabe-americana fundamental foram preservadas para as gerações futuras”.

Nesta crônica, que com seu vai-e-vem lembra, não sem justificativa, as “Mil e uma Noites “ sou obrigado a retornar, com George ao Brasil. Depois de visitar Rio de Janeiro e São Paulo, de manter contatos demoradamente com a Biblioteca Nacional e a da capital paulista ei-lo em Florianópolis. Aqui por igual, fez questão de conhecer a Biblioteca Pública do Estado e a Biblioteca Central da UFSC, visando abrir intercâmbio entre as instituições. Não é sem razão que o jornalista Ghada Khouri, em artigo, maio/junho 1998, em “The Washington Report of  Midle East” , ao analisar a rica personalidade de George, fala de sua paixão por livros e bibliotecas.

Preciso concluir. Não posso, no entanto, fazê-lo sem uma referência pessoal. Dirão alguns: vaidade. Não é bem isto. É o relato de um fato paradigmático. Em uma das nossas conversas (em espanhol, que George e Daisy, a senhora dele, dominam bem, e num inglês que consigo captar, melhor com a ajuda da Eglê), me disse: “Na Biblioteca de São Paulo fui ao computador, puxei Salim Miguel. Encontrei dois livros teus”. Aí tirou do bolso e me entregou a lista de meus livros que se encontram na Biblioteca do Congresso, em Washington, dez.

Nada a acrescentar. Até a próxima semana.

 

Crônica de Salim Miguel, “George, o primo de Washington”, escrita na Gazeta Mercantil, 29 de maio de 1998.

Equipe da Revista e do Blog

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