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Nur na Escuridão – Uma Luz na História da Imigração no Brasil

Resumo:

No centenário de nascimento do escritor líbano-brasileiro Salim Miguel, o artigo analisa  a história da imigração libanesa no Brasil a partir do  romance “Nur  na Escuridão”. A partir do personagem José Miguel, o pai, notamos os desafios e dilemas do personagem que ressoam com a experiência humana.   

 

PALAVRAS-CHAVE:  Oriente médio- Literatura Brasileira- Salim Miguel-  Diáspora libanesa

 

Abstract:

On the centenary of the birth of the Lebanese-Brazilian writer Salim Miguel, the article analyzes the history of Lebanese immigration in Brazil based on the novel “Nur na Escuridão”. From the character José Miguel, the father, we notice the character’s challenges and dilemmas that resonate with the human experience.

 

Key-words: Middle East – Brazilian Literature – Salim Miguel – Lebanese Diáspora

 

Introdução – Uma contextualização

 

               Para os historiadores e estudiosos da cultura, as datas redondas sempre permitem muitas revisões e debates, neste ano de 2024, celebram-se o centenário da publicação do Manifesto da Poesia Pau-Brasil e o nascimento do escritor líbano-brasileiro Salim Miguel. Oportunas datas para pensarmos a formação da nossa identidade, por um lado temos o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, divisor de águas do Modernismo, segundo o próprio autor, Oswald de Andrade, no qual   articula o projeto da construção da identidade da cultura brasileira. Nele, o enfant-terrible do Modernismo brasileiro  direciona  o movimento para um objetivo concreto.   Por meio da dessacralização da cultura imposta pela colonização, busca ainda a nacionalidade pela recuperação e valorização de nossas raízes étnicas híbridas: “A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. O vatapá, o ouro e a dança. Assim, na obra de Oswald, inicia-se um processo de reflexão sobre o nacional. Já as comemorações do centenário de nascimento  de Salim Miguel complementa  reflexão sobre o nacional iniciada por Oswald de Andrade, mas contando com o elemento imigrante na compreensão de sua inserção e contribuição para a cultura brasileira. Portanto, neste artigo, para celebrarmos o centenário do escritor, refletiremos sobre o romance “Nur na Escuridão”, publicado em 1999, na medida em que este fornece o testemunho da assimilação e integração de uma família de imigrantes no Brasil.

A imigração árabe de sírios e libaneses no Brasil teve início no final do século XIX e início do século XX, e é um tema de grande relevância histórica e cultural. Estes imigrantes enfrentaram desafios significativos ao se estabelecerem em um país com uma cultura e língua diferentes. Milhares de famílias de libaneses desembarcaram no Brasil, a maior parte desses imigrantes eram cristãos, e somente no século XX, com a derrocada do Império Otomano  ( 1918), a imigração de libaneses não cristãos ( judeus e muçulmanos) passou a ser mais significativa. Os que aqui vieram, já na primeira etapa, que compreende os anos de 1880 a 1938, desembarcavam tanto no porto de Santos (São Paulo) quanto no porto do Rio de Janeiro, estabelecendo-se  não só nas duas grandes cidades do país como partiam para Minas Gerais, Goiás, Amazonas e Sul do Brasil. 

Esses imigrantes contribuíram não apenas para o crescimento econômico brasileiro, mas também chamaram a atenção para uma cultura distante da Europa, até então a grande referência para a formação do nosso cenário cultural. Quantos vieram? Não há como precisar um número, pois o censo nacional não permite o registro da identidade étnica, apenas a racial (PINTO, 2010). Porém, recentemente, a Câmara de Comércio Árabe Brasileira encomendou uma pesquisa ao Ibope Inteligência para se aproximar dos números dessa imigração, uma vez que em pesquisas empíricas os números poderiam variam de 3 a 16 milhões de descendentes.  Chegou-se à conclusão que a população árabe no Brasil pode variar de 9,52   a 13, 69 milhões de pessoas, o que corresponde a 6% da população brasileira[1]. Não importando a precisão dos números, não há como negar, porém, que esta diáspora se destaca no cenário nacional, não apenas pela sua contribuição para a formação cultural, como já dito, mas também pela forte presença de seus descendentes na política e na literatura.

Quando aqui chegavam, havia dificuldade para a classificação  dos árabes no cenário nacional, na medida em que  não havia uma  característica identitária definida, não eram brancos europeus, nem asiáticos, muito menos negros, a identidade étnica-racial “tornava-se, desde então, uma marca constituinte da negociação da identidade árabe-brasileira definida.” (CURI, 2023, p.225). Como consequência da ausência desta identidade, teremos na literatura produzida no país por autores brasileiros, na qual a representação do imigrante se dava numa perspectiva orientalista, reforçando o olhar estereotipado  sobre os árabes.

 

 “(…) um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre o “o Oriente” e (a maior parte do tempo) “o Ocidente”. Desse modo, uma enorme massa de escritores, entre os quais estão poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, aceitou a distinção básica entre Oriente e Ocidente como ponto de partida para elaboradas teorias, épicos, romances, descrições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, dos seus povos, costumes, “mente”, destino e assim por diante.(…)” [2]

 

 

 Machado de Assis, o ícone da literatura brasileira, em sua representação destes imigrantes em suas crônicas[3], já esboça um “Orientalismo Tropical”, na medida em que a visão estereotipada do cotidiano desse imigrante não é apresentada de forma negativa, mas positiva e com o humor refinado de Machado. Exemplo seguido, no século XX, por autores como Jorge Amado e Oswald de Andrade[4].  Haveria, portanto, uma mudança de perspectiva nesta representação, esta seria feita pelos autores descendentes da Diáspora e só viria a partir da segunda metade do século XX. Com a fixação dos imigrantes no Brasil e sua inserção em diferentes partes da vida cultural brasileira, o século XX colocaria os descendentes dos primeiros imigrantes, os “filhos da diáspora”, no protagonismo da produção literária brasileira, na medida que começam a produzir uma literatura em que há uma tomada de consciência de sua identidade, reproduzindo as angústias e os questionamentos vividos por aqueles que por muito tempo não eram vistos com singularidade.  

Além de Salim Miguel, podemos destacar vários, mas lançamos nosso olhar a apenas alguns. Raduan Nassar, em “Lavoura Arcaica” ( 1975) traz uma narrativa sob o ponto de vista do imigrante, narrativa que expõe a história da imigração e os conflitos existenciais que envolvem os diaspóricos e seus descendentes.  Em 1989, Milton Hatoum publica, ao nosso entender, a obra-prima da literatura brasileira contemporânea, “ Relatos de um Certo Oriente”, o romance se destaca por sua poética narrativa, densidade temática e sua habilidade em retratar as complexidades das relações familiares, bem como as tensões sociais e culturais vividas pela família de libaneses estabelecida em Manaus. Hatoum habilmente tece uma narrativa que mistura passado e presente, revelando as intricadas relações entre os membros da família. A história é contada através de múltiplas vozes, oferecendo uma perspectiva polifônica que enriquece a compreensão dos personagens e suas motivações. 

 O líbano-brasileiro Salim Miguel, também um autor “filho da diáspora”,tem no romance “Nur, na Escuridão” ( 1999) a história da imigração árabe no Brasil através da inserção da família Miguel na sociedade, mas que poderia ser de qualquer outra família sírio-libanesa . Nascido no Líbano, no norte do  Líbano, no vilarejo de Kfarsaroun,  no distrito de Khoura, em 1924 , Salim Miguel chegou junto a sua família ao Brasil aos três anos de idade. Foi um dos líderes do “Grupo Sul”, movimento artístico e literário que levou o modernismo para Santa Catarina,  transformando o ambiente cultural local nas décadas de 1940 e 1950.  Além disso, atuou como jornalista, foi dono de livraria, um dos editores da revista literária Ficção no Rio de Janeiro.  Ao lado de Cruz e Sousa e do escritor contemporâneo Godofredo de Oliveira Neto, é o mais importante escritor de Santa Catarina. De 1983 a 1996, ocupou cargos de chefia na Editora da UFSC e na fundação cultural de Florianópolis. Em 1999, o romance autobiográfico “Nur na Escuridão” ganha os prêmios de melhor romance da Associação Paulista de Críticos de Arte  e da Nona Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Em 2009, Salim Miguel  ganha o Prêmio Machado de Assis concedido pela Academia Brasileira de Letras.  

 

Yussuf/José Miguel – Afinal, houve inserção?

 

Yussef/José Miguel, como personagem central, representa as lutas e triunfos enfrentados pelos imigrantes libaneses no Brasil. “Nur na escuridão” traz uma rica visão sobre a adaptação do imigrante libanês, especialmente através da trajetória do personagem principal, José Miguel ou Yussef Miguel, pai do autor. Sua trajetória oferece um vislumbre dos desafios de forjar uma nova vida em um ambiente desconhecido, o questionamento sobre se deveria ter imigrado,  bem como as maneiras pelas quais a cultura libanesa se entrelaça e se transforma na realidade brasileira. Através de sua história, somos confrontados com questões de identidade, pertencimento e resiliência como também podemos compreender a história da imigração libanesa no Brasil.

O título do romance “Nur”  significa luz em português,  foi a primeira  palavra aprendida por Yussef, a luz que ele procurara lançar para compreender toda a sua trajetória de vida, a luz que se enfraquece enquanto “o pai agoniza”[5], a luz que   o narrador tenta manter acesa enquanto a mão do pai vai se soltando da mão do filho na derradeira despedida: “ A mão do pai depreende-se da mão do filho, tomba mole.”[6]

Na cena inicial do romance é retratada a chegada de sua família ao Cais do Porto do Rio de Janeiro na Praça Mauá,era o ano de 1927. A travessia do oceano durou um pouco mais de um mês, conforme o navio se afastava do porto de Beirute, Yussef Miguel começava a gravar em sua memória as últimas imagem de seu país, o Líbano, o Mar Mediterrâneo atuando, assim,  como fronteira para a família, o fim e o início, “a água como lugar da vida e da memória”.(CHIARELLI, 2022,p. 7).  A família Miguel era uma das inúmeras famílias que no Brasil aportavam durante a segunda onda migratória que foi entre as duas guerras mundiais: destinos como Austrália e Estados Unidos tornaram-se de difícil acesso para os imigrantes, por conta das cotas migratórias, estes começaram a imigrar para a América Latina. Entre 1920 e 1926, a instalação do Mandato Francês no Oriente Médio, causou grande instabilidade na região e como consequência a retomada do fluxo migratório que havia perdido força com a Primeira Guerra ( Pinto, 2010). O destino para as Américas era invariavelmente reorientado, fosse pela imposição de cotas migratórios por países como os EUA, fosse pelo atraso na emissão de vistos nos portos europeus para os árabes na medida em que, por exemplo, não havia representação diplomática brasileira nem no Líbano nem na Síria.  

No caso da família Miguel, o projeto inicial era a partida para os Estados Unidos, mas as cotas para os orientais se esgotara e decidiram então, entrar no país pelo México: “(…)Optam pelo Estados Unidos.  Embora exista outro empecilho: a cota para orientais está esgotada. Terão que se aventurar. Entrar, como tantos, pelo México, de contrabando.”[7] . Porém, os planos teriam que mudar, pois Yussef apresentava uma infecção ocular, mesmo tratada não cedia, e o visto para o México fora negado definitivamente:

 

“Um dia Yussef chega em casa transtornado. Desaba numa banqueta, esconde o rosto entre as mãos. Tamina interrompe o que fazia, aproxima-se, preocupada. E ouve o que lhe é transmitido aos trancos: negado o visto para o México.”[8]

 

 

Decidem então que o destino seria a América do Sul, Tamina assim decidira, afinal havia os irmãos de Yussef no Brasil e o pai dela na Argentina. Após mais de um mês de viagem,  a exemplo de outros imigrantes desembarcavam no Rio de Janeiro e depois de tentativas frustradas de se estabelecerem no Rio de Janeiro,  seguem para o sul do Brasil, para o estado de Santa Catarina; as cidades de São Pedro de Alcântara,  Biguaçu e  Florianópolis receberiam a família Miguel.  

Ao longo do romance, podemos contemplar as mudanças profundas na vida do patriarca Yussef/José Miguel, e como ele navega entre as expectativas de sua cultura de origem e as demandas da sociedade brasileira. É uma jornada marcada por sucessos e fracassos, momentos de conflito e de integração, todos eles contribuindo para a compreensão mais profunda da experiência imigrante. Distante do Orientalismo presente nas obras produzidas por aqueles que não pertenciam à cultura oriental,  a história dos árabes no Brasil é resgatada em  “Nur na escuridão.” 

 O narrador revisita o passado desta família, que sem espaço para sobreviver em sua terra natal e com esperança de enriquecer na “América” parte para uma “nova pátria”. Neste momento a narrativa permite que se estabeleça uma relação com a história do cotidiano dos imigrantes árabes. Estes para serem aceitos no Brasil davam o primeiro passo ao se integrarem na sociedade local pela via econômica, mascateando pelo interior. Recorrendo à ideia de pioneirismo presente na figura histórica do bandeirante paulista, a participação cultural e econômica dos sírio-libaneses das grandes levas migratórias foi legitimada pela sociedade brasileira que ao absorvê-los na sua cultura, proferia ao mascate árabe o título de “bandeirante oriental”, e inicialmente forjando-lhes uma cidadania concebida pela sua contribuição econômica: 

 

“A palavra mascate , por exemplo, tem um poder mágico, faz com que recue até a chegada a Magé. Esclarece, antes: pouco importa o que a pessoa tenha sido ou queira ser, pouco importam os sonhos, desejos, aspirações, fantasias. Ao chegar ao Brasil, libaneses e sírios, árabes em geral, começam mascateando, trouxas ao ombro, sorri e acrescenta, só bem mais tarde irão tomar conhecimento do outro significado da palavra trouxa.”[9]

 

O segundo passo para a legitimação do imigrante no cenário nacional seria sua absorção e assimilação da cultura local. Sendo um país singular, a coexistência cultural entre brancos, negros e índios traçou um perfil particular na cultura brasileira, formando-se aqui uma estrutura culturalmente plural. Com isso, a aculturação ou assimilação dos imigrantes transcorria aparentemente pacífica e naturalmente, porém, nada impedia que um traço étnico da identidade dos imigrantes persistisse, por mais que estivessem integrados na “nova pátria.” Como aconteceu com a maior parte dos imigrantes que vieram para o Brasil, a absorção e assimilação da cultura brasileira fora quase integral. No caso do patriarca da família Miguel, seu nome foi sendo alternado conforme assimilava os hábitos da nova terra.

 

“Ao longo do romance, várias alusões são feitas à maneira pela qual Yussef é chamado, traço identitário revelador da posição que seu interlocutor adota na relação. Assim, já no capítulo inicial, quando Yussef fala a outros libaneses na igreja ortodoxa do Rio de Janeiro, o narrador sublinha que seu nome pode variar: « E tu Yussef (ou José, dependendo do perguntador […]) » (p. 21), « (na igreja o pai volta a ser Yussef) » (p. 23). É em São Pedro de Alcântara que começa a deformação de seu nome para o equivalente em língua portuguesa (Yussef/Josef – p. 98). Ao longo do tempo, os epítetos se multiplicam: seu José, seu Zé, seu Zé Miguel, seu Miguel, seu Zé Gringo, seu Zé Turco, Zé Turco. Até Tamina acaba por interpelá-lo de diferentes maneiras: Yussef, José, e por um nome híbrido, Yusé (p. 181). No entanto, quando ela está preocupada, é em sua língua materna que ela o chama: « (às vezes, entre eles, na intimidade, quando está preocupada, é Yussef) » (p. 123), « a mãe, mais prática, preocupada, costuma repetir: José, precisas cobrar […] um horror as dificuldades, a fome, a miséria, onde vamos parar, Yussef? » (p. 125). [10]

 

 

 Mas, por outro lado, mesmo sofrendo as pressões para a total assimilação, mantinha-se preso às suas origens através do idioma árabe. Através dele expressaria integralmente seus sentimentos e seria ele sua forma de identificação étnica. Na língua materna, encontraria o espaço ideal para realizar seu passado e manter firme sua identidade no presente:

 

“Mistura palavra de português e árabe, diz: quero ir pra minha bait, minha casa, pra minha terra/maksuna, por que a tagarrada, emigrar não melhora…se perde, cala um tempo, imagina estar em Biguaçu, quer falar com o primo Abrahão, com Joãozinho, pergunta se viram João Dedinho – e de repente eis uma única palavra que repetia, garib, repetindo-a para todos que vinha visita-lo nos últimos tempos, dizia para os filhos, para amigos e parentes, por mais que a pessoa lute por se adaptar, ela continua, mesmo sem querer, às vezes sentido-se estrangeira [ grifo nosso], logo recua, envergonhado, não, garib como, se aqui é minha querida maksuna? Palavras soltas vão se espalhando, componho um insólito quadro pelo quarto do doente, pela sala, extravasam até se perder ao longe: qaria, habib, vive maut, salam aleikun, luz/nur, kifak, bem, ab, ibn, filho, ahabba, gostar sim, dikra, lembrança, meu ab, meu pai, oms, mãe prepara labnia de leite de cabra, me dá um jar´a , só mais um gole de arak.”[11]

 

 

A riqueza de “Nur na escuridão” arrasta o leitor para uma reflexão sobre as relações entre imigrantes e a “nova pátria”, lança um olhar crítico sobre o passado daqueles que acreditaram na prosperidade de um país totalmente adverso ao deles. Ao recorrer a um texto literário, como a narrativa de Salim Miguel, é possível reviver e compreender a história não só dos imigrantes árabes no Brasil, mas de todos aqueles que abandonaram seu país em busca de “nur” (luz) para sua sobrevivência.

 

Considerações finais

Muitas  poderiam  ser luzes  de análise lançadas para compreender a inserção do imigrante árabe no Brasil e como se configura sua representação na literatura. No  âmbito  dos  Estudos da Imigração no Brasil e tendo como motivação o centenário do escritor Salim Miguel,  julgamos útil atentar para como procedeu a inserção do imigrante no Brasil. O romance “Nur da Escuridão”  de certa forma insere-se  em  uma  linha  para a reflexão acerca da produção literária dos “filhos da Diáspora” iniciada pela segunda geração de descendentes dos primeiros imigrantes bem como, em momento mais recente, compreender  os desafios vividos pelas ondas de deslocados pelo mundo.

   Do orientalismo europeu ao orientalismo tropical a representação foi sendo transformada na medida em que os filhos desta diáspora conquistavam espaços nos campos político, econômico e cultural do país.  No  âmbito  da  História e da Crítica Literária,  atentamos  para  o romance   em questão para que possamos compreender os encontros do Brasil com o Oriente Médio ao serem dadas múltiplas vozes para as narrativas que compõem o cenário literário nacional e o sentimento que afeta os imigrantes que voluntária ou involuntariamente deslocam-se para o exílio. Nesta análise, então, não poderíamos passar distante da reflexão de Edward Said sobre a experiência do exílio, vista por ele como complexa e multifacetada, como nos é apresentada a partir do personagem Yussef/José Miguel. As narrativas dos “filhos da diáspora” representadas aqui pelo romance de Salim Miguel desafiam as narrativas dominantes que tendem a reduzir o imigrante a uma figura sem voz, sem poder, ou ainda e talvez pior, estereotipada.

Em última análise, “ Nur na Escuridão” mergulha nas águas turbulentas da travessia da diáspora as questões identitárias, apresentando uma visão emocionante sobre a experiência humana. Salim Miguel se consolida como um dos principais escritores da literatura brasileira contemporânea, oferecendo uma narrativa rica e envolvente que merece atenção dos leitores que buscam uma reflexão profunda sobre as complexidades da vida e da identidade. Assim, em tempos em que os deslocamentos parecem ser o único meio para a preservação do humano  e que paradoxalmente aumentam os muros para impedi-los, “Nur, na Escuridão”, é convite para   a refletir sobre as complexidades do processo de adaptação, e como isso impacta a identidade e experiência do imigrante seja ela em qualquer tempo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

CURI, Guilherme. O Mahjar é aqui – A comunicação contra-hegemônica dos intelectuais árabe-brasileiros. Porto Alegre: PPGCOM- UFMG, 2023.

CHIARELLI, Stefania e SARTINGEN. Kathrin. Histórias de água: O imaginário marítimo em narrativas brasileiras, portuguesas e africanas. Viena: Peter Lang Gmbh, Internationaler Verlag Der, 2023.

MIGUEL, Salim, Nur na escuridão. 1. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999

PINTO. Paulo Gabriel Hilu da Rocha.  Árabes no Rio de Janeiro- Uma identidade plural. Rio de Janeiro: Cidade Viva, 2010.

RASSIER, Luciana Wrege. Salim Miguel, escritor do mundo. Revista Litteris, Brasil, n. 8, p.1-5, set. 2011, s.p

SAID. Edward. Reflexões sobre o Exílio. Tradução Pedro Maia Soares. Companhia das Letras. 2003.

___________. Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. Tradução: Tomás Rosa Bueno. – São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

[1] https://anba.com.br/comunidade-arabe-e-6-da-populacao-brasileira-diz-pesquisa/

[2]  SAID, 1990, p. 14.

[3] Crônicas publicadas no Jornal do Comércio entre os anos de 1876 e 1878.

[4] Jorge Amado em toda sua obra romanesca sempre havia pelo menos um personagem árabe, já Oswald de Andrade terá em seu romance cíclico “Marco Zero”, o personagem Salim Abara. O mesmo autor, ainda, dedica um capítulo em seu romance “Serafim Ponte Grande”, à viagem que fez para o Oriente em 1926, apresentando um “orientalismo tropical” a partir de uma percepção carnavalizada desta viagem. Ver artigo Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e o Oriente Médio, de Monique Sochaczewski e Muna Omran publicado na Revista Esboços, em 2023 – https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/90842/53523

[5] Miguel, Salim. 1999, p.254

[6] Idem, p. 257.

[7] Idem ibidem, p.56.

[8] Op.cit. p. 57

[9] Op.cit. p.82

[10] RASSIER, 2011, s.p 

[11] Op.cit. p.256

Escritora, dramaturga, Doutorado em Teoria e História Literária pela Unicamp. Professora colaboradora do PPGL da UFF. Profa. visitante PUC-PR.. Membro da Academia Líbano Brasileira de Letras, Artes e Ciência, cadeira número 25, patrono Salim Miguel.

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