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Crônica: IMIGRAÇÃO LIBANESA

NOTÍCIA: O Ministério das Relações Exteriores e dos Imigrantes propôs, em 26/2/2024, na reunião do Conselho de Ministros, a suspensão das atividades do Consulado Geral do Líbano no Rio de Janeiro”

Muitas teses já foram escritas e diversas histórias foram contadas e estudadas sobre a imigração libanesa, desde o início do século XX até os dias de hoje. E as razões são muitas: oportunidades limitadas em sua terra natal, melhores possibilidades em outro lugar para ganhar dinheiro, perseguições político religiosas, situação econômica catastrófica, pobreza, falta de perspectiva de emprego, e por ai vai.  E na América Latina, tudo começou  pelo Porto do Rio de Janeiro.

Porém, e apesar de tudo isso, há um nexo, uma correnteza que sempre levou o libanês à mudança. Até morando na aldeia mais distante das montanhas e feliz com sua situação, ele nunca deixa de estar em mudança, mesmo que em pensamento. Talvez seja pelo seu inconsciente ter a curiosidade intrínseca para o desconhecido, ou talvez por causa da preciosidade em descobrir coisas novas, mas o certo é que o libanês está sempre mudando, ou no mínimo pensando em mudar, em se mudar.

E quando ele decide partir, o plano básico envolve a sua família. Ele precisa garantir que sua prole esteja dentro da perspectiva de uma garantia de alojamento. As famílias libanesas já estabelecidas na imigração são verdadeiros albergues para seu parentes. Onde cabe mais um, cabem dois; onde cabe mais uma família, cabe uma outra; onde cabe mais um agrupamento, ai já é uma pousada. O alargamento do espaço é natural.

Por sua natureza, o libanês sempre afastou o medo da mudança, já que tem a tendência em se adaptar rápida e facilmente

Por outro lado, ele também não se importa em mover-se com frequência, e ai ele pode chegar ao que os analistas chamam de “compulsão à repetição”, e acaba-se enquadrando na famosa frase: “Não importa o quanto você se mova, você ainda se leva com você.“

A verdade é que o libanês se move por muitas razões, sejam elas sociais, culturais, econômicas ou até educacionais, mas sempre tem nessa composição ingredientes de aventura, risco, imprevisto, casualidade e, sobretudo, de destino. E nisso, o libanês acredita sempre que está “maktub” em todos os lugares.

Por fim, podemos curiosamente pensar sobre a palavra “imigração” quando se trata do libanês, uma vez que esse termo “imigração”  (إغتراب)é traduzido em árabe como exilio, retiro, isolamento, partida, diáspora, imigração, entre outros significados. Daí, não raramente, o libanês substitui (e mais recentemente tem feito isso) a palavra “imigração” por “intichar” ((إنتشار que em árabe significa difusão, espalhamento, propagação, disseminação, dispersão, irradiação etc.

Mesmo que o libanês tenha esse sentimento de aventura, curiosidade ou necessidade de partir, ele sempre carrega o Líbano com ele…e volta para lá todos os dias.

Malas & Baús dos imigrantes: por dentro do novo começo.

A mala sempre foi um dos símbolos mais representativos de qualquer imigrante. Ela constituía a perfeita metáfora para se compreender como as remessas sociais eram coletadas, devolvidas e modificadas.

Parecia que o baú dos imigrantes trazia armazenado dentro de si, juntos e misturados, diferentes normas culturais, códigos de condutas, práticas alimentares e de gastronomia, saudades da infância, lembranças de amores, desejos de voltar, sonho de sucesso, fuga da realidade, encontro com o amanhã. Não necessariamente nessa ordem.

Com o transporte de imigrantes nos navios a vapor, deu-se um passo evolutivo na bagagem e nas malas, que eram projetadas para guardar pertences em longas viagens: caixas robustas construídas com couro e desenhadas para serem mais duráveis, espécies de baús de guarda-roupa com gavetas nas laterais. E claro, havia baús série A, B, C e D, coisa de categorias e classes sociais. Fazer o quê, o mundo sempre foi assim.

Mas, em quase todas as narrativas sobre a imigração libanesa, essa mala que, em princípio, guardava os poucos pertences dos imigrantes trazidos da terra natal, acabou, invariavelmente, sendo o seu meio de sobrevivência, o papel central para a sua profissão: mascate.

Esses vendedores ambulantes carregavam “kashet” ou “jezadin” (sacolas ou malas) abarrotados de linha, agulha, lâminas de barbear e tantos outros objetos; caminhavam quilômetros por estradas rurais ou ruas de metrópoles, vendendo seus produtos para fazendeiros e moradores. E assim, eles acumularam riqueza suficiente para comprar uma pequena loja e, em poucos anos, muitos expandiram para lojas maiores.

Porém, essa mala do vendedor ambulante escondia outra verdade (e há teorias sobre isso) de que a narrativa do mascate surgiu como a antítese dos retratos preconceituosos que foram desenhados dos imigrantes.

Dessa forma, as histórias do trabalho penoso, do raciocínio rápido, da autoconfiança e das famílias fortes do mascate seriam resultado do trabalho desse “self-made man” para justamente contrapor e derrubar os retratos de discriminação que lhes eram ilustrados.

Uma grande porcentagem de imigrantes libaneses foi ignorada, como os que trabalhavam em fábricas, escritórios e fazendas, além daqueles que tiveram fracassos, falências, realizações modestas e carreiras tortuosas, assim como os que tiveram sucesso em outras áreas tão importantes para a sociedade nativa. São histórias que mereceriam tanto destaque quanto a do mascate onipresente, dando uma maior visão à rica história dos imigrantes. Mas isso é outra história, outra tese.

Em tempo: A recente tentativa do governo interino do Líbano de encerrar as atividades do Consulado Geral do Líbano no Rio de Janeiro não apenas chocou, mas também enraiveceu a comunidade libanesa, sendo considerada uma tentativa abominável e repulsiva. A decisão, carregada de desrespeito e falta de consideração, foi percebida como uma afronta direta não só à comunidade local, mas também como um ultraje à memória da diáspora libanesa. O ato foi descortês, marcado por uma insensibilidade extraordinária, ignorando completamente o vínculo histórico e cultural entre o Líbano e o Brasil, e desconsiderando os laços profundos que unem as duas nações.

Portanto, é inegável que essa tentativa tosca do encerramento do Consulado foi uma afronta injustificável e uma ação que merece ser veementemente rechaçada pela comunidade libanesa e por todos aqueles que valorizam o respeito mútuo e a consideração pelas comunidades diaspóricas.

Equipe da Revista e do Blog

3 Comments

  1. O texto reproduz tudo que sentimos, principalmente nos 2 últimos parágrafos! Senti profunda tristeza quando surgiu a infeliz hipótese de acabar com o Consulado, justamente por ser nosso “porto seguro”, nossa referência!
    Graças a Deus nosso Consulado Geral do Líbano no RJ está firme e forte!
    Maktub

    Responda
  2. O texto reproduz tudo que sentimos, principalmente nos 2 últimos parágrafos! Senti profunda tristeza quando surgiu a infeliz hipótese de acabar com o Consulado, justamente por ser nosso “porto seguro”, nossa referência!
    Graças a Deus nosso Consulado Geral do Líbano no RJ está firme e forte!
    Maktub

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  3. Os que imigraram para uma terra distante, deixados para trás a família, sabendo que dificilmente a encontraria novamente, necessitou construir uma nova casa, uma referência do que passou a representar o Líbano no Brasil.
    O Consulado do Rio de Janeiro, como dito, porta-de-entrada desse novo território a ser desbravado, passou a ser referência e o elo com a terra natal, de quem tudo deixou para construir uma nova história, o que demonstra a importância e manutenção de seu funcionamento.
    Bem lembrados pelo Editorial aqueles ignominados que também trabalharam arduamente para a construção do país, que passam, geralmente, desapercebidos quanto ao legado deixado.

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