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Mahalabiyeh: Sabores, cultura e nostalgia

“Cheguei da escola, abri a porta de entrada da casa e imediatamente o aroma do leite quente, a baunilha e a água de rosas, impregnava o ambiente. Corri para abraçar a minha avó Julia, sette como lhe dizíamos. Ela estava cozinhando «Mahalabiyeh»”.

É assim que me lembro hoje, e quando sinto nostalgia da sua presença e de um abraço, vou fazer esta sobremesa, que a minha avó libanesa cozinhava e que quando criança não sabia que era uma sobremesa típica libanesa, e não uma tradicional na cidade em que vivíamos.

A verdade é que esta é uma delícia ancestral, que chegou com nossos avós e que a cultura, aquela ação do ser humano sobre o mundo, o que faz, aquela bagagem de conhecimento e história que fala por nós de nossa geografia e costumes de origem, também se expressa em sabores, aromas, cores, como nesta sobremesa.

Breve percurso histórico

Às vezes é surpreendente saber que uma sobremesa que comemos frequentemente em casa se originou há séculos e que sua receita foi registrada de forma escrita em um livro de culinária daquela época. Imaginar navios que atravessam mares, carregam seu sabor salino e desembarcam contando seus tripulantes e compartilhando os sabores típicos de sua terra. Porque a história das refeições, foram percorrendo diferentes geografias.

A história desta sobremesa nos remonta à Pérsia, e que virá a ser popular tanto no Líbano como em outros países do Oriente Médio; e em alguns casos, era feita para comemorar um feriado especial ou uma festa religiosa e, em outros casos, estaria lá com a única intenção de saborear uma sobremesa. De um breve percurso pela história das refeições e suas receitas, ela era transmitida de forma escrita (há antecedentes da Babilônia de 1700 a.C), seguindo dentro de um outro texto em Roma (100- 400 D.C) e depois vem num extenso período de cerca de 800 anos, até surgir nos livros de culinária árabe, pioneiros na temática gastronômica.

Já no século XX, os livros de culinária seriam publicados em massa e, em muitas ocasiões, a literatura faria eco de aromas e sabores para expressar em letras, em contos, poesias e romances, onde essa sobremesa é nomeada em suas páginas.

Sobre o mahalabiyeh, há algumas versões provenientes de lendas e outras que são receitas encontradas em livros de culinária árabe de séculos atrás.

Alguns autores referem que a sobremesa deve seu nome a um de seus ingredientes porque leite em língua árabe se diz: halib, então de tal vocábulo derivou o mesmo.

Outros contam que no século VII, havia um general árabe chamado Al- Muhallab ibn Abi Sura e que seu cozinheiro persa lhe preparou um pudim de leite tão saboroso, que como o general gostou tanto, colocou seu nome.

Aparecem as primeiras receitas desta sobremesa no século X, formando diferentes versões: uma era uma espécie de pudim com leite engrossado com arroz e frango e uma outra versão apenas de leite com arroz moído e outra um flan de ovos sem arroz.

As primeiras receitas escritas do mahalabiyeh aparecem no livro de cozinha árabe mais antigo do mundo o Kitab al-Tabih (O Livro dos Pratos), que contém mais de 600 receitas de cozinha, e que é atribuída a sua autoria atribuída autor árabe de Bagdá, Ibn Sayyar al-Warraq, um autor árabe de Bagdá. Há dois livros de cozinha árabe do século XIII, referindo-se ao pudim picante feito com cordeiro ou frango.

Será na Idade Média, onde se alude à esta comida feita com frango desfiado (manjar branco dos europeus) e aparece em 1530 aproximadamente, também outra versão aonde esta comida é feita sem frango e com sabor de água de rosas.

Foi encontrado um livro de culinária inglesa do século XIX, que oferece uma receita de mahalabiyeh. Este prato é preparado da seguinte forma: ferve-se o leite junto com a farinha de arroz e o açúcar até que estejam bem misturados, e depois, é aromatizado com extrato de rosa ou jasmim; quando já esteja resfriado é polvilhado com açúcar em pó.

Receita de um prato que é comida e sobremesa ao mesmo tempo

Esta sobremesa pode ser encontrada em vários países do Oriente Médio, incluindo o Líbano, onde é conhecida pelo nome de mahalabiyeh, também na Síria: mihlaya; no Egito: mahlabia, entre outros.

Embora no início esse prato fosse feito com frango, arroz e água de rosas, depois de muitos anos também surgiu a receita como sobremesa que leva: leite, amido de milho, açúcar e água de rosas. Às vezes eles servem com pistache, adornado com pétalas de rosas, etc.

Lembro-me que tanto na minha casa como na casa da minha avó e também das minhas tias, faziam-lhe versões diferentes acrescentando às vezes, se não houvesse água de rosas, baunilha. Em outras ocasiões colocavam casca e suco de laranja, ou coco ralado. Em outras ocasiões dividiam metade da mistura e a uma parte adicionavam cacau em pó e ao colocá-lo na forma, faziam camadas: uma branca, uma de chocolate. Havia também uma outra versão despejando caramelo líquido na forma e depois colocando a massa que tinha sido preparada. A verdade é que, além de ser uma sobremesa muito saborosa, também é econômica e nutritiva pelos ingredientes que contém.

Cultura e sabores

Como as nossas raízes são profundas, os nossos costumes resistem à passagem so tempo. Porque a essência, o que nos distingue como pessoas, é expressada de várias maneiras.

A sutileza do aroma de uma sobremesa, a memória olfativa e a emocional que associamos a essa memória. As mãos que agitam o leite aromatizado para alimentar, acompanham-nos, na esperança de um dia conhecer essa terra pela qual cozinhamos: o Líbano.

Porque cozinhar é paixão e magia que se unem para dar sabores que nos acompanharão sempre; encorajo-o a provar uma colherada de Mahalabiyeh …

fotos: Pinterest/ almayadeen/ thanyianay obeid/ Marisa Avogadro Thomé.
Bibliografia
– Arabic Bookworm. (2019, 9/15). Arabic books on cooking Part 1. Available at: https://arabicbookworm.wordpress.com/2019/09/15/arabic-books-on-cooking-the-abc-series-part-1/
– Arab News. (2024, 12/1). Ancient Arabic recipes revealed in ‘The Exile’s Cookbook’. https://www.arabnews.com/node/2439726/lifestyle
Avogadro Thomé, Marisa (2015). Pasión a la Madrileña. Gastronómicos Tales A la carta. Colección Cuentoscomunicarte. Argentina: Mar y Arte Ediciones.
– National Library of Spain (BNE). Gastronomía Española: S XIV-XIX. Available at: https://www.bne.es/es/Micrositios/Guias/gastronomia/Introduccion/
– Wikipedia. Muhallebi. Available at: https://en.wikipedia.org/wiki/Muhallebi
Escritora, jornalista, e conferencista, de Mendoza, Argentina. Mestre em comunicação e educação (UAB). Sócia-correspondente na Argentina para a Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências. É diretora e editora da revista internacional “Diafanís", Arte, Ciência e Comunicação.

9 Comments

  1. Prezados Colegas: Agradeço o convite para participar de sua prestigiada publicação. Foi um prazer nos encontrarmos nestas páginas onde compartilhamos sentimentos, palavras, como descendentes de libaneses. Estas páginas são uma ótima oportunidade para conhecer e aprender sobre as nossas origens e a nossa terra. Cordialmente, Marisa de Mendoza, Argentina.

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    • Querida Marisa,
      agradecemos imensamente a sua participação neste blog!
      Seu artigo que trata de sabor e sabedoria é excepcional. Você conseguiu comunicar, por meio de um sabor inigualável, todos os sentimentos de momentos inesquecíveis da minha infância!
      Um abraço envolvido no delicado aroma da “muhallabiyé” que a minha avó preparava com muito amor!
      Cristina Ayoub Riche

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      • Prezada Dra. Cristina muito obrigada. Suas palavras atenciosas e afetuosas para este meu artigo me emocionam. Obrigada sempre pela possibilidade de colaborar no blog do Líbanus

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  2. Me sumo al exquisito gusto de experiencias que amalgama el arte la escritura mendocina con sus raíces libanesa con la magia de la cultura gastronómica que conjuga la autora del escrito compartido, alumno universitario de la misma, siempre fue un gusto poder descubrir sus enseñanzas. Hoy disfrutar de su trazo delicado, intercambia emociones con añoranzas culturales de cuatro banderas y más enarbolan sus relatos. Gracias.

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    • Ariel muchas gracias por el comentario y por sus palabras conceptuosas como alumno hacia mi trabajo como proffesora. Con humildad, me alegro de que mis letras puedan permitir recordar, conocer sabores, aromas que nos identifican. Saludos

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  3. Matéria de dar água na boca. Conheci essa delícia tardiamente e considero-a uma das melhores iguarias da culinária, em geral. Obrigada, Marisa.

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    • Marilia muito obrigada por suas palavras.

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  4. Que matéria rica e saborosa! Sou fã da culinária “árabe”, em particular dos doces, que aprendi a apreciar desde tenra idade graças aos vizinhos sírios! Minha infância tem cheiro de manteiga derretida, de pistache torrado, de água de rosas! Parabéns, Marisa!

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  5. Virginia os sabores e aromas nos acompanham. Muito obrigado pelas palavras

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