Foi difícil acreditar que com apenas cinquenta e dois anos Sami Bordokan nos deixou. Estava, talvez, vivendo seu auge como artista. Estrelando o espetáculo O profeta, com direção de Luiz Antonio Rocha, baseado na obra magistral de Gibran Kalil Gibran, Sami teve a chance de mostrar seu enorme e multifacetado talento. Alaudista, cantor e compositor de grande envergadura, revelou-se também ótimo ator mais recentemente.
Filho de libaneses, nasceu em São Paulo em 1973. Certamente foi seu pai, também alaudista e cantor, quem primeiro notou o imenso talento do filho para seguir no mesmo caminho. Sami foi então para o Líbano na adolescência para aprofundar seus estudos musicais, retornando ao Brasil anos depois para difundir o que aprendeu e criar seu próprio vocabulário como artista. Não custou a estabelecer vínculos, a criar pontes, a desbravar caminhos. Se apresentou em diversos palcos, fez música para teatro, para dança e descobriu-se ator.
Conheci Sami em 2016, justamente durante as gravações da minissérie Dois irmãos, baseada no livro homônimo de Milton Hatoum, que Luiz Fernando Carvalho dirigiu para a TV Globo. Sendo autor da música original e diretor musical da minissérie, tive a sorte e a honra de ter Sami como colaborador, não só como intérprete e compositor, mas também como pesquisador, visto que conhecia a música árabe à fundo. Em Dois irmãos Sami foi então músico, cantor, compositor, pesquisador e, surpreendendo a todos, ator.
Gravamos com a Orquestra Sinfônica Heliópolis e com um grupo de câmara seleto, que incluía, além de Sami, Toninho Ferragutti, Mário Manga, Artur Andrés, William Bordokan, Claudio Kairuz, Nicolas Krassik e o brimo André Mehmari, dono do estúdio Monteverde, onde gravamos. Foram momentos inesquecíveis.
Em Dois irmãos ele mostrou um pouco do que era capaz como artista eclético que foi. E teve a chance de ir mais além no espetáculo O profeta, sempre atuando com generosidade, sagacidade, entrega, paixão e inteligência. Embora soubesse muito, estava aberto a aprender ainda mais. Era curioso, dialogava, interagia, vivia intensamente cada momento criativo. Isso se via facilmente no prazer com que tocava, sobretudo em grupo, fosse com seu trio com seu irmãos, William Bordokan, e Claudio Kairuz, ou em formações maiores. Não é difícil imaginar o percurso que Sami ainda teria pela frente.
Nós, brasileiros de origem libanesa, que tanto desejamos uma maior interação entre os dois países, podemos ter em Sami um paradigma. Ele foi, de fato, a personificação dessa convivência, desse diálogo, dessa troca, dessa integração tão rica e necessária. Não era um homem de duas pátrias, mas de uma pátria só, onde dois lugares se completam, se complementam, estando ele aqui ou lá, pois a pátria estava nele. Que sua trajetória nos sirva de exemplo.
Sami continuará, através de sua obra, vivendo e promovendo essa integração, como fez em vida, assim como disse o Profeta de Gibran, que ele encarnou no teatro : (…) vida e morte são uma só, tal como o são o rio e o mar.
fotos: pinterest/ Clement Zular
2 Comments
Lamentável um multiartista tão brilhante ter partido precocemente. Esse artigo do Rescala emociona os corações sensíveis.
Acabo de ler o artigo de Tim Rescala e descubro que Sami Bordokan é muito mais que a Orquestra Mediterrânea que, acredito, tenha sido sua criação. Só posso lamentar sua partida precoce…