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Marcelo Buainain, o fotógrafo da alma

Entre 1986 e 1994, morei em Campo Grande, onde a cena cultural era fervilhante. Além dos irmãos Espíndola – Geraldo, Celito, Sérgio, Tetê, Alzira e Jerry–, havia outros músicos brilhantes, como Almir Sater, Geraldo Roca e Paulo Simões; já nas artes visuais os grandes destaques eram Humberto Espíndola, que se tornaria secretário de Cultura do Estado, Beto Lima e Heron Zanatta. Mato Grosso do Sul também foi berço dos atores Aracy Balabanian, Rubens Corrêa e Glauce Rocha, do cantor Ney Matogrosso, do cineasta Joel Pizzini e do arquiteto Rubens Gil de Camilo, assim como minha “escola” sobre a pauta do meio ambiente.

Pouco tempo após minha chegada, o jornalista Bosco Martins me apresentou ao poeta Manoel de Barros e tivemos uma sintonia imediata. Assim, construímos uma amizade sólida e me tornei uma espécie de assessora de imprensa dele, protegendo-o do assédio exagerado durante o lançamento de seus livros e intermediando o contato de profissionais que queriam entrevistá-lo, incluindo o escritor angolano José Eduardo Agualusa.    

Outro amigo e parceiro desde essa época é o fotógrafo documentarista Marcelo Buainain, que era vizinho do poeta. Fizemos várias entrevistas com Manoel e reportagens sobre o Pantanal, as quais foram publicadas em periódicos de Campo Grande, nas extintas revistas Manchete e Viaje Bem, no Diário de Notícias de Lisboa e em outros veículos de imprensa europeus.   

Apresentando Buainain

 De uma família de origem libanesa, Marcelo Buainain nasceu em 1962 e estudou até o quinto ano de Medicina, mas a vocação para a fotografia falou mais alto. Após esgotar as limitadas possibilidades profissionais em Mato Grosso do Sul, mudou-se em 1991 para Paris e um ano depois para Lisboa, onde retratou personalidades como os cineastas Bernardo Bertolucci, Wim Wenders e Pedro Almodóvar, os músicos Chico Buarque e Tom Jobim, e o escritor José Saramago. Até 1997 ficou na Europa, onde publicou três livros, colaborou com a imprensa brasileira e internacional, fez exposições e conquistou prêmios de fotografia.

Partiu então para a vertente da fotografia documental, percorrendo o Egito, o Marrocos e o Brasil. Mas foram as constantes viagens à Índia que fizeram emergir sua marca mais pessoal: registrar o cotidiano e as manifestações religiosas populares, imbuído de uma visão espiritualista ecumênica e sem preconceitos.

Seu projeto Índia, quantos olhos tem uma alma (2000), que rendeu exposições, prêmios e um livro homônimo, mostra ao Ocidente a Kumbha Mela, o principal festival de fé e devoção do hinduísmo, que é celebrado a cada doze anos nas cidades sagradas de Haridwar, Allahabad, Ujjain e Nasik, onde sadhus e milhões de fiéis meditam e se purificam no rio Ganges. Retrata os sikhs, ou guerreiros de Deus, que seguem uma religião fundada há mais de 500 anos sintetizando o que há de melhor no hinduísmo e no islamismo. Facilmente reconhecíveis pelos turbantes, cabelos e barbas por cortar, bracelete no braço direito e punhal na cintura, seu lema é “servir a Deus é servir ao próximo com amor e solidariedade”. Outro foco é Varanasi, a cidade labiríntica da luz e da morte que é um polo espiritual desde o século 11 a.C. Com uma infinidade de degraus levando ao rio Ganges, uma multiplicidade de templos e piras de fogo sagrado onde corpos são cremados, a antiga Benares é tida como um lugar auspicioso, pois morrer e ser cremado aqui significa se libertar dos ciclos da reencarnação. Buainain também incluiu as séries Crianças, Trabalho e Retratos nesse projeto.

Em busca de qualidade de vida, em 2002 passou a morar em Natal, no Rio Grande do Norte, onde se aproximou do mestre de ioga Hermógenes e realizou os documentários Do lodo ao lótus e Deus me livre de ser normal. Nas palavras do próprio Hermógenes, “Marcelo fotografa a alma. Fotografa o que vemos, mas também o transcendente, o que nossos pobres sentidos não conseguem perceber. Pela beleza de suas imagens, vejo nele um poeta da fotografia, um mensageiro da beleza e da luz”.

Em 2009, que foi o Ano da França no Brasil, o Sesc Pinheiros em São Paulo sediou a exposição Henri Cartier-Bresson  – Fotógrafo, com 133 imagens desse mestre francês do fotojornalismo. Em paralelo, realizou a exposição Bressonianas, na qual o curador Eder Chiodetto selecionou 42 imagens de fotógrafos brasileiros influenciados pelo francês – Marcelo Buainain, Cristiano Mascaro, Flavio Damm, Orlando Azevedo, Carlos Moreira, Juan Esteves e Tuca Vieira.

Outro projeto magnífico de Buainain foi Mi Amas Vin (2011), que significa eu te amo em esperanto, sobre importantes manifestações de fé e devoção Brasil afora. Ele esteve na Bahia, no Ceará, no Rio Grande do Norte, no Amazonas, no Pará, no Acre e no Distrito Federal documentando batizados evangélicos, romeiros católicos, o Santo Daime, rituais de cura da Barquinha, a Irmandade da Boa Morte, rezadeiras, os penitentes Ave de Jesus, o jarê, o Círio de Nazaré, rituais para Iemanjá e o Vale do Amanhecer. O livro resultante desse trabalho ganhou menção honrosa do júri no concurso internacional POY (Picture of the Year) Latam em 2013.

Um dos finalistas do XIII Prêmio Marc Ferrez de Fotografia da Fundação Nacional de Artes (Funarte), seu projeto Era uma vez… (2014) rendeu uma exposição e um livro que ressaltam a importância do jumento para a cultura e a sociedade brasileiras, em especial no Nordeste, onde o animal sempre foi usado na construção de açudes, estradas e casas, para carregar materiais e como meio de transporte. Com apoio do fotógrafo potiguar Canindé Soares, Buainain passou dois anos circulando pelo Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia, onde captou cenas de jumentos atropelados em estradas, sendo retirados das pistas, transportando sertanejos e outras. Substituídos por motocicletas, eles vêm sendo cruelmente abandonados, exportados para consumo humano na Ásia e estão sob forte risco de extinção.

Com esse trabalho de cunho ideológico, Buainain se junta a outros fortes defensores do animal, como o padre cearense Antônio Vieira, autor do livro enciclopédico O jumento, nosso irmão, o inesquecível músico Luiz Gonzaga, o escritor e jornalista francês Gilles Lapouge e até a atriz e ativista Brigitte Bardot.

Ganhador da Bolsa Vitae de Arte em 2002, desenvolveu o projeto Brasil: a Religião e o III Milênio. Em 2011, entrou no rol dos dez fotógrafos brasileiros da década apontados pela revista PhotoMagazine. No ano seguinte, recebeu o Prêmio Martín Chambi de Fotografia em Paris pela série Retratos de Família, assim como o I Prêmio Latinoamericano de Fotografia outorgado pelo Centro Latino Americano na Argentina. Em 2013, conquistou o I Prêmio na categoria Retrato do III Black & White Award by WPGA e o Spotlight Award no concurso Black & White Single Image da Black & White Magazine – ambos nos Estados Unidos –, e foi um dos cinco fotógrafos selecionados para o projeto Fuji X-Photographer. A lista de honrarias é longa e inclui premiações no México e na Colômbia.

Expôs suas fotos em museus, galerias e centros culturais no Brasil (Brasília, Curitiba, na capital e em várias cidades no interior do Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Campo Grande, João Pessoa), Uruguai, Argentina, Colômbia, França, Portugal, Rússia e Geórgia, e participa como palestrante de festivais e eventos ligados à fotografia e ao audiovisual.

Há alguns anos, Buainain passou a viajar pelo país de motocicleta, em um exercício de despojamento e expansão do olhar no qual busca novos personagens e histórias. Acalenta a ideia de fazer um documentário sobre seu primo Almir Sater e pretende também finalizar o documentário Famintos sobre o escritor cabo-verdiano Luís Romano, que morou durante décadas em Natal.

Transitando com desenvoltura entre a fotografia e o audiovisual, Buainain diz “que esses dois universos dialogam e se complementam. É mediante o fotografar que pratico a paciência, a meditação e o autoconhecimento, e estabeleço uma profunda conexão com a natureza e com Deus. Por sua vez, o audiovisual tem um poder incrível de abrangência e de estimular nossos canais sensoriais”.

Em tempo: Buainain significa “pai dos olhos”. Sua obra está em coleções, no acervo de museus no Brasil e na Europa e também pode ser apreciada em www.buainain.com, instagram.com/mbuainain e youtube.com/user/mbuainain/videos.

Legendas das fotos:
(1) Menino indiano da casta brâmane com o cordão janoi, que simboliza o nascimento espiritual
(2) Criança indiana brincando à beira d’água
(3) Devotas do Senhor Bom Jesus em uma gruta na Bahia
(4) Cercada por familiares, senhora de 108 anos faz sua última peregrinação em Varanasi, Índia
(5) Grupo de indianas na margem do rio Ganges
(6) Menino montando em jegue no sertão nordestino
(7) Essa foto captada nas dunas do Rio Grande do Norte foi premiada no concurso internacional POY Latam no México
(8) Criança no Estado indiano de Uttar Pradesh
(9) O ameaçado jegue nordestino
(10) Yanomami da Bahia, durante as comemorações dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil
(11) Retrato do escritor português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998
(12) Menino em Amritsar, centro da religião sikh, no Punjab
(13) Autorretrato do fotógrafo Marcelo Buainain
Thaïs Costa é jornalista, revisora de obras literárias e teses acadêmicas, redatora publicitária e tradutora trilíngue. É colaboradora do Blog.

15 Comments

  1. Sofisticação na simplicidade.
    Buainain, através da sua arte, nos transporta pra sua visão do mundo com muita perspicácia, qualidade e esmero.
    A maioria de seus personagens demonstram a beleza da simplicidade, com pureza nas feições e olhares que superam a realidade, à procura do etéreo, onde deve morar a maior das esperanças.
    Seu olhar astuto consegue capturar angulos especiais, eternizar momentos únicos, sempre nos levando ao transcendente de cada um, mesmo que seja um animal.
    Nenhuma descrição do trabalho do Marcelo poderia ser mais assertiva, conclusiva e feliz de que o que disse o honorável professor Hermógenes.
    Sou fã do Marcelo e do seu trabalho artístico.
    Beto Selva

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  2. Mais um excelente artigo de Thaís Costa na Libanus sobre o fotógrafo Marcelo Buainain e suas imagens de grande força dramática e transcendental.

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  3. Marcelo menino querido,obrigada por você existir, obrigada pela acolhida, hospedagem em Portugal. Muriel

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  4. Que fotografias maravilhosas!!!! Só tenho orgulho desse amigo!!!! Parabéns Marcelo!!!!

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  5. Os textos da Thaïs são tamanha e tão profunda viagem sobre seus objetos (quase sempre sujeitos rs) que sempre saio deles diferente (até acredito que saio maior) do que entrei, pq todo o universo em volta se expande. Virou uma luminosa xpectativa

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  6. 2 coisas a acrescentar: meus comentários se mesclaram e eu queria terminar o acima dizendo q esperar para ler seus textos, Thaïs querida, virou uma grande e luminosa expectativa. E, na mesma luz, eu queria comentar sobre a foto da abertura: nao achei referência sobre a ocasiao/pessoa/objeto etc.
    Muito me impressionaram 2 efeitos: o fato da figura humana tornar-se gradativamente fundo e plana, e a clara alusão a muitas imagens de Orixás, nas artes gráficas, lembrando q Orixás, pelo q entendi de Verger e outras leituras, muitas vezes teriam sido seres (humanos) mortais q , em momentos de absoluta iluminação, muitas vezes em sua profunda entrega em seus ofícios, tentos, talentos ou vocações, transformaram-se em entidades divinas. Que fotografia!

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  7. Thais Costa, parabéns pela belíssima matéria.
    Realmente Marcelo consegue imprimir o transcendental em sua arte, conseguimos ver alma, extrema sensibilidade são impressas em suas fotografias. Te admiro muito querido amigo. Namastê!

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  8. excelente!

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  9. Grande Mestre!

    Sou admirador do trabalho do Marcelo e também sou um defensor do animal Jumento.

    Parabéns pelo artigo.

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  10. Brilhantemente apresentado. Lindos trabalhos de arte. O de esculpir com luz e o de descrever em texto.

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  11. Ninguém poderia apresentar melhor o grande fotógrafo Marcelo Buainain que nossa querida Thaïs, não só por sua proximidade e convivência com ele, mas pela força e delicadeza com que escreve. Que lindo texto! que belas imagens que revelam a alma! Parabéns e minha admiração por ambos!

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  12. Neste seu excelente trabalho, tive o prazer de tomar conhecimento da arte impressionante de um notável fotógrafo e de sua atividade no Mato Grosso do Sul. Parabéns!

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  13. Mais uma linda surpresa da jornalista Thais. Não tive o privilégio de conhecer esse fotógrafo tão incrível, vou aproveitar essa “partida” e procurar saber mais sobre sua obra. Obrigada.

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  14. Acompanhei de perto o trabalho do Marcelo e o considerado um dos grandes representantes mundiais desta arte imortal. Seus documentários tem o mesmo impacto poético e emocional das suas fotografias!!

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  15. Trabalho maravilhoso do Marcelo e o texto da Thaís mostra bem a belíssima trajetória do autor. Sensacional! Parabéns ao dois, fotógrafo e jornalista.

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