Rose Marie Gebara Muraro, uma das figuras mais emblemáticas do feminismo brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro, em 1930, em uma família de raízes libanesas oriunda da cidade de Zahlé. Sua história, profundamente entrelaçada com a luta pela igualdade de gênero e justiça social, é um tributo à resiliência e à coragem frente aos desafios da vida.
Quase cega desde o nascimento, Rose enfrentou a escuridão literal e figurativa de uma sociedade que limitava as mulheres. Recuperou parcialmente a visão apenas aos 66 anos, mas nunca deixou que a deficiência obscurecesse sua paixão pelo conhecimento. Estudou Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma escolha rara para mulheres da época, e usou sua formação científica para questionar as estruturas de poder, refletindo sobre tecnologia e o papel das mulheres na sociedade.
A perda precoce de seu pai, quando tinha apenas 15 anos, marcou profundamente sua vida. A jovem Rose assumiu a responsabilidade de ajudar a mãe e cuidar de seus irmãos, demonstrando uma maturidade que a moldaria como líder. Foi nessa época que conheceu o então padre Hélder Câmara, ingressando na Juventude Católica, onde começou a escrever artigos que desafiavam o status quo.
Escritora prolífica, Rose publicou mais de quarenta livros, entre os quais o revolucionário A Sexualidade da Mulher Brasileira: Corpo e Classe Social no Brasil, que permaneceu por meses na lista dos mais vendidos e provocou reflexões profundas sobre a interseção de gênero e classe. Atuou como editora de 1.600 títulos, muitos deles polêmicos, consolidando sua posição como uma intelectual que não temia enfrentar tabus.
Nos anos 1950, casou-se com Aldo Muraro, ex-seminarista dominicano, com quem teve cinco filhos. A parceria com Aldo e sua conexão com figuras progressistas, como Leonardo Boff, a levaram a trabalhar na Editora Vozes, onde desafiou o conservadorismo da Igreja Católica. Em 1986, ambos foram expulsos da editora por pressão do Vaticano, reafirmando o preço que pagava por sua ousadia.
Rose fundou e liderou editoras que deram voz a mulheres, como a Rosa dos Tempos, ao lado de Neuma Aguiar, Ruth Escobar e Laura Civita. Suas iniciativas editoriais e suas conferências internacionais a consagraram como um ícone do feminismo e da luta por direitos humanos.
Na política, Rose se aventurou como candidata à Câmara Federal, experiências que inspiraram seu livro Os Seis Meses em que Fui Homem, um relato incisivo sobre a exclusão das mulheres nos espaços de poder.
Reconhecida como a Patrona do Feminismo Brasileiro, Rose foi membro fundadora do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em 1985 e recebeu inúmeros prêmios, como a Medalha de Ouro Alvorada, além de ser eleita Intelectual do Ano pela União Brasileira de Escritores em 1994.
Seu livro Memórias de uma Mulher Impossível é uma jornada vibrante pelos mais importantes eventos políticos e culturais do Brasil no século XX. A obra reflete a essência de sua personalidade: impossível de ser contida, impossível de ser esquecida.
Rose Marie Muraro despediu-se do mundo em 21 de junho de 2014, aos 83 anos, sem jamais pisar em Zahlé, a cidade de seu pai, que permanecia como um refúgio de sonhos em sua memória afetiva. Contudo, sua vida tornou-se uma ponte viva entre o Brasil e o Líbano, costurando territórios e corações com os fios de sua luta, genialidade e um amor inesgotável pela humanidade. Na Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências, Rose Marie Muraro é patrona da Cadeira de Número 3, que é ocupada pela desembargadora e escritora, Dra. Andréa Maciel Pachá.
Rose não chegou a conhecer Zahlé, mas sua história, como um poema inacabado, continua a ecoar entre as montanhas do Líbano e os horizontes do Brasil, eternizando-a como uma mulher que transformou saudade em revolução e herança em inspiração.
© Revista Libanus
fotos: acervo-globo/ Instituto Rose Marie Muraro
