Abdallah Chahine (1894 –1975) foi um visionário da música árabe e libanesa, pianista e técnico de afinação que uniu as tradições orientais e ocidentais por meio de um piano único capaz de tocar quartos de tom. Sua obra transformou a música árabe clássica e consolidou o papel do Líbano como uma ponte cultural entre dois mundos.
O pioneiro do piano árabe foi o libanês Wadih Sabra, que tocou um piano dotado de notas adicionais (quartos de tom) durante o Congresso de Música Árabe do Cairo em 1932. Inspirado por essa inovação, Chahine começou sua trajetória musical aos 14 anos, quando recebeu um harmônio de presente de seu pai. Ele tocava regularmente nas missas dominicais da Igreja de São José, em Beirute. Embora seus pais tenham recusado enviá-lo à Escola Musical de Viena, ele encontrou seu caminho na música ao se tornar afinador de pianos e um dos primeiros importadores de instrumentos ocidentais para o Líbano.
Entre 1930 e 1931, Abdallah Chahine desenvolveu seus próprios protótipos de piano oriental com o auxílio do fabricante austríaco Hofmann. Esse instrumento inovador foi exibido pela primeira vez no pavilhão austríaco durante uma exposição em Damasco, em 1954, e, dois anos depois, apresentado ao Congresso da UNESCO em Beirute.
Seu piano oriental incorporava cinco novos intervalos à escala temperada, incluindo o si bemol invertido e o fá semi-agudo, além de um pedal engenhoso que alternava entre afinações ocidentais e orientais. Isso permitiu a execução de ricos modos orientais, como Bayati, Rast e Saba, revolucionando a música tradicional.
Artistas renomados, como Mohammed Abdel Wahab e Fairouz, foram atraídos pelo piano microtonal de Chahine, explorando novas tonalidades e enriquecendo a música árabe. Compositor e inovador, ele gravou discos de música do Oriente Médio, incluindo o álbum “Al-Nagham al-Khalid”, que apresenta taqasim (que é uma improvisação musical melódica que geralmente precede a execução de uma música tradicional árabe) nos maqamat (O Maqam árabe – plural Maqamat- que é um sistema de escalas, frases melódicas habituais, possibilidades de modulação, técnicas de ornamentação e convenções estéticas que, juntas, formam uma rica estrutura melódica e tradição artística) mais comuns. Em 1962, Chahine expandiu seus negócios ao fundar a gravadora Voix de l’Orient/Sawt al-Sharq, que desempenhou um papel essencial na preservação e difusão da música árabe.
No final do século 20, o músico e dramaturgo libanês Ziad Rahbani deu continuidade ao uso do piano árabe em suas obras, gravando canções e composições instrumentais que mesclam maqam e jazz, utilizando tanto pianos acústicos quanto elétricos, como o Fender Rhodes.
Em 1974, Abdallah Chahine foi condecorado como Cavaleiro da Ordem do Cedro, em reconhecimento à sua contribuição para a harmonia entre Oriente e Ocidente. Ele também criou um legado empresarial que persiste até hoje: sua loja de música, fundada em 1952, é administrada por sua família, incluindo seus filhos e bisnetos.
Sua bisneta, Zeina Abirached, homenageou sua história na obra em quadrinhos Le Piano Oriental, inspirada em sua vida e invenção. Abdallah Chahine deixou um legado que continua a conectar culturas, unindo tradição e modernidade em uma melodia atemporal.
E assim, Abdallah Chahine permanece vivo, não apenas nos acordes de seu piano único, mas também nos corações de todos que encontram, na fusão de melodias, a promessa de um mundo sem fronteiras. Seu piano não era apenas um instrumento; era uma ponte invisível, capaz de transportar almas entre o Ocidente e o Oriente, entre o ontem e o amanhã. Cada nota que ressoa é como uma estrela que reluz no firmamento da música, lembrando-nos de que a harmonia é a verdadeira linguagem da humanidade.
Nos silêncios entre os sons, há uma promessa de continuidade, como se Chahine ainda estivesse ali, sussurrando ao mundo que a beleza das diferenças é o que nos torna infinitos.
© Revista Libanus