Dia de posse de novo membro na Academia Líbano Brasileira de Letras, Arte e Ciência, Amir Haddad, diretor teatral, tomou posse como membro vitalício da Academia Líbano-Brasileira de Letras, na cadeira 37, cujo patrono é o poeta Wally Salomão ( 1943-2003). A cerimônia foi realizada na residência oficial do Consulado Geral do Líbano, “a casa de todos os libaneses” no dizer do Sr. Cônsul Geral do Líbano Dr. Alejandro Bittar, que conduziu a cerimônia. O diretor de teatro Amir Haddad foi empossado pela presidente em exercício da Academia, a profa. Katia Chalita.
Coube a mim a difícil e honrosa tarefa de saudar o novo acadêmico. Amir Haddad é um artista icônico da nossa cultura, da história do nosso teatro, premiadíssimo artista, ganhou entre tantos outros prêmios o Moliére de direção teatral, Prêmio Shell, Prêmio Sharp, foi agraciado com o título de Comendador da Ordem do Mérito Cultural, em 2006 e em 2019,Doutor Honoris Causa da UFRJ e agora, 2025, membro vitalício da Academia Líbano Brasileira de Letras, Artes e Ciências.
Os avós de Amir Haddad imigraram para o Brasil, no final do século XIX, quando ainda a Síria e o Líbano eram províncias do Império Otomano. Nesta época, além de Rio e São Paulo, Minas Gerais recebia um grande número de imigrantes e os familiares de Amir Haddad seguiram por essa trilha, se estabeleceram e fincaram suas raízes. Em 1937, nascia Amir Haddad, no município de Guaxupé, em Minas Gerais.
Em 1958 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na USP, Amir encontrou outros jovens,que como ele, queriam algo além daquilo que as cadeiras da faculdade poderia oferecer. Era jovens inquietos, irreverentes e que sem saber, talvez, já fossem os herdeiros diretos do poeta Oswald de Andrade, que em 1922, na Semana de Arte Moderna, propunha a irreverência e a busca pela identidade cultural brasileira. Na faculdade de Direito, de forma ainda amadora, Amir Haddad com seu grupo dirigia e apresentava uma peça aqui outra ali, e perceberam já que criava-se um grupo de teatro, nascia assim a Companhia do Teatro Oficina, a mais longeva Companhia de teatro do Brasil. O Oficina foi um dos grupos que mais absorveu a influência de Oswald de Andrade. A revolução estética proposta em 22, que já mudara a literatura, as artes plásticas e música, finalmente, chegava ao teatro com o Oficina. A Companhia se destacava não só pela experimentação artística mas , principalmente, pela resistência política durante a ditadura militar.
Naquele momento, o Oficina foi um dos epicentros da efervescência cultural vivida nos anos de 1960 e de 1970, pela força da arte combatia-se o autoritarismo. Ao lado do agora, nosso confrade Amir Haddad, estavam revolucionando o teatro brasileiro Renato Borghi, Etty Fraser, Fauzi Arap, Ronaldo Daniel e o saudoso Zé Celso Martinez Correia, nomes cuja lembrança é obrigatória quando falamos em teatro no Brasil.
No Manifesto Antropófago (1928), Oswald de Andrade propunha pela metáfora da deglutição, que o Brasil “devorasse” as culturas estrangeiras, digerindo-as e transformando-as em algo autêntico. Essa ideia estava alinhada com a busca da identidade cultural brasileira que valorizasse as raízes locais e questionasse as estrutura coloniais e eurocêntricas e assim questionaram-se as estruturas de poder e se buscaria uma cultura verdadeiramente brasileira, diversa e plural. Nessa perspectiva, Amir Haddad levou a influência antropofágica para o grupo “Tá na Rua”, fundado no Rio de Janeiro, em 1980.
O “Tá na Rua” é um marco na história do teatro de rua no Brasil. Um teatro na sua real essência , um teatro abençoado pelo deus Dionísio, um teatro que está nas ruas, nos parques, nas praças, um teatro que pertence ao povo e que se alimenta da energia e da diversidade das cidades. O grupo nasceu dessa vontade de Haddad de levar o teatro para além dos palcos convencionais, rompendo com as barreiras físicas e simbólicas que separavam artistas e espectadores, o teatro transformador cumprindo sua missão de democratização do conhecimento, da cultura, das artes com alegria, uma alegria como forma de resistência, renovação e celebração da vida e da liberdade criativa. Nesse aspecto, Amir Haddad soube traduzir o pensamento antropofágico oswaldiano para uma linguagem teatral acessível e engajada, criando espetáculos que dialogam diretamente com a realidade do país. Sua atuação foi fundamental para consolidar o teatro de rua como uma expressão artística legítima e necessária no cenário cultural brasileiro.
O “Tá na Rua” incorporou a irreverência e a crítica social presentes na obra oswaldiana, mas com um caráter mais popular e democrático. A Antropofagia, nesse caso, manifestava-se na forma como o grupo “devorava” as experiências do cotidiano e as transformava em arte. Assim, a importância de Amir Haddad para o teatro nacional reside na sua capacidade de unir tradição e inovação, além de sua incansável busca por democratizar o acesso à arte e com a alegria da irreverência do poeta modernista.
Pelo reconhecimento de toda essa trajetória, nesta manhã chuvosa de março, a Academia Líbano Brasileira de Letras, Artes e Ciência saúda com a alegria dessacralizadora dos artistas o novo confrade Amir Haddad!
Evoé!
fotos: CAL – Casa das Artes de Laranjeiras (capa)/ academia líbano-brasileira









