Com uma agenda extensa de exibições na França, o documentário La force du coquelicot [A força da papoula] passa longe das narrativas midiáticas tradicionais sobre o Líbano e a região do Oriente Próximo e do Oriente Médio. Finalizado em 2024, antes de o Líbano voltar a ter um presidente, esse filme da jovem cineasta Mona Hammoud traça um retrato contemporâneo da sociedade libanesa por meio das vozes de cinco humoristas.
Contrariando o difundido equívoco de que o Líbano atualmente se resume a incertezas, a vibrante cena noturna de Beirute conta com muitos clubes de comédia, como o awk.word, The Duke, District 7, Casino du Liban, KED beirut e Godzilla, que apresentam shows de stand-up.
Quem é a cineasta
Nascida em Paris, Mona Hammoud-Elhor passou a infância em Dubai, tem raízes no Líbano e vive na França. Como fotojornalista e apresentadora de televisão, cobriu durante muitos anos crises sociais e políticas na Europa, no Oriente Próximo e no Oriente Médio para veículos como L’Orient-Le Jour, The Wall Street Journal, BBC Middle East, Agenda Culturel e RFI. Seu site mostra vários ensaios fotográficos impactantes.
Uma conjunção de elementos e acontecimentos, a exemplo das guerras em Gaza e no Sul do Líbano, foi determinante para a ideia de filmar La force du coquelicot. Constatando uma “ética jornalística vexatória” e desconcertada com a desumanização dos povos árabes nos relatos midiáticos, Mona sentiu a urgência de se reapropriar dos relatos e criar novas narrativas sem a onipresença da violência e da redução de vidas humanas a meros números. Através da câmera, seu objetivo é reumanizar essas vidas, oferecendo um relato visual alternativo sobre um lado mais íntimo do Líbano, um país de grande pujança intelectual.
O riso para sobreviver, o palco para resistir
Como criar diferentes esquemas narrativos em um contexto de guerra e de tantos problemas econômicos e políticos? Até que ponto se pode desenhar o retrato da sociedade libanesa quando os relatos tradicionais enfocam apenas as cisões?
A solução é o riso. Longe de sua suposta trivialidade, ele tem um caráter revolucionário. Vendo vídeos de diversos comediantes, Mona percebeu que eles podem abordar muitos assuntos por um viés cômico para um público maior. Ela então escolheu cinco humoristas para seu documentário, no qual cada um fala de seu percurso e da importância do stand-up no Líbano. Stephanie Ghalbouni discorre sobre sua condição como mulher no cenário do stand-up e o fato de romper tabus e códigos sociais. Chaker Bou Abdallah, John Achkar, Mohamed Baalbaki e Wissam Kamal vêm de horizontes diversos, tratam de vários assuntos e destacam o alcance plural do riso: um meio de sobreviver, uma crítica social e política, um espaço de reunião onde diferentes crenças religiosas se irmanam.
A papoula, símbolo de enraizamento e de resistência
Metáfora do enraizamento, a papoula é onipresente entre os símbolos da luta palestina. E também encarna o apego à terra, que Mona salienta nesse relato visual e que os humoristas exprimem com suas palavras. Progressivamente, entramos na intimidade de suas histórias, e uma proximidade surpreendente se intensifica ao longo do documentário.
Mona trabalhou essa força meticulosamente durante duas viagens, precedidas por pesquisas e castings para selecionar humoristas que tivessem uma mensagem relevante. Graças às conversas com os artistas antes de filmar, ela conseguiu estabelecer um elo de confiança e humanizar esses retratos, captando com a câmera sua vulnerabilidade.
Os risos se misturam com a ansiedade de ir para o palco e testemunhos mais pungentes de traumas. Uma paleta de emoções que Stephanie Ghalbouni resume rindo: “É justamente por estarmos em uma situação desgraçada que precisamos rir”. Por sua vez, Wissam Kamal desconstrói a noção de resiliência frequentemente evocada: “Há duas coisas nos libaneses que não me descem: o delírio de resiliência e que é preciso viver custe o que custar (…) Não controlamos nada, então, o que fazer? Só nos resta rir”.
Com seu documentário La force du coquelicot, Mona aponta que, para essa nova geração de humoristas, a comédia permite abordar temas sensíveis e abrir o diálogo em um país que tem 18 comunidades religiosas.
Stand-up, um novo espaço de infrapolítica?
A cineasta e os humoristas estão conscientes da censura que paira sobre certos assuntos, e as polêmicas têm sido numerosas. O stand-up surge como um novo espaço de discussão sobre assuntos controversos. Esses humoristas, muitas vezes sem vocação inicial para essa atividade, têm outras ocupações profissionais, o que lhes permite detectar os defeitos, as qualidades, os não ditos e as estratégias de sobrevivência da sociedade libanesa.
A potência do riso reside em instaurar um espaço terapêutico de expressão, algo limitado nas formas tradicionais do discurso público. John Achkar comenta: “É sintomático haver mais confiança em nossos comediantes do que em nossos políticos!”. E salienta que a thawra (revolução) de 2019 contribuiu para desatar a linguagem; apesar da censura, algo se libertou nas falas. O riso é uma forma de infrapolítica: por sua oralidade e caráter não institucional, ele permite construir um discurso que alimenta o fato político em sua representação popular, fora dos espaços tradicionais do poder.
O documentário tem o mérito de entremear esses relatos diversos e de tratar de problemas sociais, notadamente em tempos de guerra, salientando o apego de todos os libaneses à terra. Sem embelezar, sem glorificar uma resiliência imposta ao povo, sem focalizar apenas os elementos trágicos, Mona entrega um relato objetivo e sensível. E sua retranscrição dos acontecimentos se baseia em uma abordagem factual e humanista, que são duas características complementares e essenciais para a restituição de uma história.
Com 40 minutos de duração, La force du coquelicot já conquistou o Prêmio de Melhor Documentário no Dublin International Comedy Film Festival em novembro de 2024 e foi selecionado para o Respect Human Rights Film Festival neste mês de março em Belfast e para o Beirut International Women Film Festival em maio deste ano.
Tradução: Thaïs Costa
Fontes: TV5 Monde (Au Liban, la scène du stand-up ouvre le débat); site da Agenda Culturel; YouTube (Resilience & Comedy: Behind the Lebanese Stand-Up); e site de Mona Hammoud-Elhor (https://monahammoud.com)
fotos: divulgação

