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O Poder de um turbante: Homenagem a Janete Clair

Por onde a notícia da criação da Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências (ALB) se espalhou, a pergunta que não quis calar foi: “Mas Janete Clair era libanesa?’”. Brasileira, mas de sangue libanês! Levantina, se preferirem, inquieta como todos que temos esse sangue fenício. Batizada de Jenete pelo pai Salim, ela é a patronesse da cadeira de n. 18 e neste abril de 2025, celebramos o seu centenário de nascimento.

Assim, a Academia ergue mais do que uma efeméride: ao torná-la uma das bases da sua fundação, levanta um monumento invisível à potência da palavra que se transforma em imagem, da imagem que vira mito, e do mito que retorna ao povo com a força de um espelho encantado. Janete não escreveu novelas: ela arquitetou épicos populares com estrutura de tragédia grega, paixão romanesca e ritmo de folhetim. Sua obra foi e continua sendo um dos grandes motores simbólicos e econômicos do Brasil.

Foi com ela que o entretenimento televisivo nacional alcançou a dignidade da exportação cultural. Nos anos 1970 e 1980, suas tramas atravessaram oceanos, conquistando audiências em países como Portugal, Chile, México, Angola, e até na distante e guerreira Rússia. As telenovelas brasileiras, de que Janete foi rainha e mãe, passaram a ser não apenas um produto de consumo doméstico, mas um bem simbólico de alta rentabilidade. Era o Brasil exportando não só café ou minério, mas também sonho, conflito e humanidade. E dentro dessa engrenagem, seus personagens continuam a pulsar como arquétipos de uma alma nacional.

Entre todos, para homenagear aquela que Drummond chamou de ‘usineira de sonhos’, elejo Herculano Quintanilha como emblema da modernidade de Janete Clair. Em “O Astro” (1977–1978), Herculano é um ex-presidiário que se reinventa como místico, um ilusionista de vocação profética, um homem comum que se coroa com um turbante para assumir o papel de sacerdote do invisível. Seu palco não é o templo, mas o auditório; sua fé não é dogmática, é performática; sua ascensão é a do anti-herói que encanta, manipula, redime. Herculano se torna Rasputin para a família Hayalla de ricaços libaneses e El Brujo, para Salomão, o primogênito que inaugurou o bordão: “Quem matou Salomão Hayalla”?

Atentemos para Herculano: Um Francisco Cuoco com um turbante que é mais que figurino: é coroa simbólica. Não posso deixar de informar que o turbante me atrai profundamente. Em diversas civilizações antigas, o turbante foi signo de sabedoria, autoridade espiritual, distinção entre os homens. Entre os sábios islâmicos, os
gurus indianos, os orixás africanos, o tecido enrolado à cabeça envolvia também uma aura de invisível potência. Janete sabia disso. Herculano usa a cabeça como altar. Sua inteligência não é cartesiana: é sensível, simbólica, visionária. É um Hermes moderno, que transita entre mundos e mesmo ficcional, atua como força simbólica contínua. Vide atrás a menção ao argentino El Brujo e à figura mística do czarismo russo.

Não se trata, portanto, de mero personagem. Herculano é a expressão do Brasil arquetípico: mistura de céu e mercado, de feitiço e esperteza, de credulidade e carisma. Apaixonante!

Ao homenagear Janete Clair, homenageamos também o país que ela soube ouvir, traduzir e reinserir no lar como ritual moderno. Suas novelas eram rodas de mitologia eletrônica, e seus personagens, como Herculano, ainda nos olham do outro lado da tela com a sabedoria dos que conhecem a alma do povo.
Se Janete foi a autora, Herculano foi seu Hermes: mensageiro, encantador, guia.
Ouso dizer também seu Trismegisto: alquimista, misterioso, regado a magia, três vezes grandíssimo.

E seu turbante, esse sim, não é um acessório. É uma coroa que não se tira.
Por isso, viva Lara, Diana, João Coragem! Viva o Semideus! Viva André Cajarana! Viva o Carlão, o Miro, o Salviano Lisboa, a Lucinha! Viva todos os que passaram pela nobre cabeça coroada de Janete Clair e dela, todos os que também passaram pelas nossas casas, enchendo-nos de paixão e compaixão! Viva a cadeira de n. 18 que ocupo! Viva os 100 anos de Janete Clair! Longa vida à Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências (ALB)! Viva a palavra que nos une!

fotos: pinterest
Janete Clair
O Astro
secretária geral da Academia Líbano-Brasileira, é advogada, escritora e membro da Academia Líbano-Brasileira, cadeira N° 18.

8 Comments

  1. Lindo texto da Renata homenageando Jante Clair.Quantas lembranças….

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    • Obrigada Sheila! Com seu refinamento intelectual, é mais que elogio. Muito obrigada mesmo!

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  2. Linda e merecida homenagem a essa grande autora brasileira e parabéns Dra. Renata Abalem!

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    • Márcio querido, o seu refinamento só me encoraja. Obrigada!

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  3. Querida Renata, que texto maravilhoso. Elucidativo, com um brilho Poético. Um reconhecimento a cultura Líbano-brasileira que se expressa em nosso Brasil dos campos e comércios à arte literária. Acredito que nossa majestosa Janete Clair se orgulhosa de ter vc ocupando hoje sua cadeira.

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    • Ricardo querido! Muito obrigada!

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  4. Seguramente deveria este texto compor o acervo da ABL. Ganharia muito a casa machadiana. É só ver a grandeza das construções semiolóigca-estilisitca-imagética que Abalem ergue devido seu apreço sanguíneo pela autora. Queremos mais, sempre!

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  5. Deverasmente vosmecê é muito exagerado! Obrigada professor!

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