A boa música ultrapassa fronteiras geográficas, barreiras linguísticas e épocas. Atualmente, a música árabe composta e cantada por mulheres vem ganhando terreno na Europa e nos Estados Unidos, graças a uma nova diáspora de jovens talentos em busca de um lugar ao sol, longe da repressão mais ou menos velada em seus países de origem.
Os direitos das mulheres no mundo árabe variam conforme o país, mas aquelas que exercem seu lugar de fala geralmente incomodam os homens ao redor e tornam-se alvos de discriminação. Portanto, para desenvolver uma carreira artística, muitas jovens optam por viver em nações ocidentais com mais avanços nesse sentido.
Talentosas, ousadas e nativas da era digital, essas novas estrelas lançam seus videoclipes muito bem elaborados no YouTube e TikTok e canções no Spotify.
O site Music Non Stop apontou os nomes da safra mais recente de divas árabes que estão fazendo e acontecendo na cena musical.
Zeina: libanesa, vive no Canadá, onde largou a faculdade de medicina para se dedicar à música. Seu principal meio de divulgação é o TikTok. Estreou em 2017 com o álbum Odd One Out e o mais recente, Eastend Confessions, foi lançado em 2024. Faz a linha pop sensual.
Manal: suas músicas impregnadas pela rica cultura marroquina conquistaram fãs em todo o mundo árabe. Ao lado de Balqees, dos Emirados Árabes, da marroquina-canadense Nora Fatehi e da iraquiana Rahma Riad, participou do single Light the Sky, incluído na trilha sonora oficial da Copa do Mundo de 2022 no Catar. Canta em árabe e sua veia rítmica tem toques de afrobeat e afro-house.
Lana Lubany: palestina radicada em Londres, compõe desde os 11 anos de idade mesclando pop radiofônico com códigos da música árabe. Seu single de estreia em 2022, The Snake, teve mais de 15 milhões de streams no Spotify.
Elyanna: palestina, iniciou sua carreira musical em Los Angeles. Na canção Ghareeb Alay, ela e o rapper tunisiano Balti apresentam uma fusão interessante de reggae, rap e música palestina.
Felukah: nascida no Cairo, foi estudar criação musical em Nova Iorque, onde iniciou sua carreira marcada pelo urban beat, rap, R&B e até jazz. Embora muito influenciada pela cena nova-iorquina, a moça insere o Egito em todas as suas composições.
Nadine El Roubi: destemida rapper sudanesa que questiona a política e a condição social da mulher. Marcante por seus beats pesados, promove grandes shows para arrecadar fundos destinados às vítimas da guerra civil no Sudão.
Zeyne: a música sensacional dessa jovem palestina tem harmonias de sua terra natal e aborda os sofrimentos de seu povo, como o imperativo de buscar outro lugar no mundo para escapar dos conflitos.
Bad Bunny, ídolo em Gaza e no Líbano
No sentido inverso dessas jovens árabes que brilham no Ocidente, o rapper porto-riquenho Bad Bunny é a grande sensação atual no Oriente Médio. Alguém traduziu para o árabe a canção DtMF no TikTok e a febre se espalhou.
Parte do álbum homônimo que o artista lançou no início de janeiro, DtMF (sigla em espanhol para ‘Eu deveria ter tirado mais fotos’) é uma plena, gênero musical folclórico afro-porto-riquenho, com ritmo energético e percussão forte. Na letra nostálgica, o rapper lamenta não ter tirado fotos suficientes de um amor, que provavelmente é a ilha onde nasceu.
Com 17 faixas, o álbum denuncia o colonialismo, a crise econômica e o deslocamento forçado em Porto Rico e, visualmente, mostra símbolos de lá como o sapo concho e a versão independentista da bandeira porto-riquenha, além de bananeiras e cadeiras de plástico, dois elementos também comuns no Líbano. Os vídeos no YouTube apresentam as letras das canções e trechos da história de Porto Rico.
Benito Martínez Ocasio, nome verdadeiro do artista de origem humilde que hoje lidera a parada da Billboard 200 e os streams no Spotify e na Apple Music, agora pode se orgulhar de sua conquista do Oriente Médio.
Convergências entre Porto Rico e o Oriente Médio
Desde o início dos anos 2000, o Oriente Médio aprecia ritmos dançantes latinos e conhece bem o reggaeton. Músicas animadas como Gasolina (2004), do porto-riquenho Daddy Yankee, continuam embalando as noitadas em clubes de Beirute, a capital libanesa. Outros artistas renomados por lá são o também porto-riquenho Don Omar e a estrela pop colombiana Shakira, de ascendência libanesa. Mas nada se compara ao fenômeno Bad Bunny.
A partir de janeiro deste ano moradores de Gaza e do Líbano adotaram a canção DtMF como trilha sonora para seus vídeos nas redes sociais, com cenas da paisagem urbana ou rural anteriores ao conflito iniciado em 2023 com Israel. E postam mensagens nostálgicas ou encorajadoras como “ah, como estou com saudades” e “estamos prontos para reconstruir”.
A música de Bad Bunny também é ouvida em restaurantes e clubes no Líbano.
O fato é que as mensagens políticas do álbum e de DtMF fizeram milhares de pessoas no Oriente Médio se identificarem com Porto Rico. Afinal, a duríssima realidade socioeconômica e política é o ponto de ligação entre a ilha caribenha, Gaza e o Líbano.
Denunciada por Bad Banny, a invasão norte-americana de Porto Rico no final do século 19 também ressoa fortemente entre os palestinos, que sofrem com a usurpação de suas terras e direitos mais básicos.
3 Comments
Excelente artigo, Thaïs !
Delícia de matéria! Enquanto lia, já pensava em procurar o som dessas mulheres no youtube ou outro canal de música, mas Thais já resolveu o problema e entregou o pacote completo. Obrigada, Thais.
Obrigada, Thais! Você me transportou para o alto dos Atlas!