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Sala de abrigo ou sala de aula?

Nervenkrankheiten. Esse era o nome que se dava aos distúrbios nervosos das pessoas que sofreram com a Primeira Guerra Mundial. Era uma marca. Algo que, para quem viveu, jamais permitia voltar a ser o mesmo.

O Líbano está passando por uma crise sem precedentes. Com o avanço de Israel, diversas cidades da parte sul e leste do país estão sofrendo com a expansão do conflito, além de várias explosões em localidades como o subúrbio de Beirute e operações em cidades como Batroun, mais ao norte.

Como resultado, diversas escolas foram fechadas a mando do Ministério da Educação do Líbano. As escolas localizadas em áreas de grande tensão foram obrigadas a fechar suas portas, mantendo os alunos em casa.

No entanto, o governo libanês determinou que as escolas recebessem refugiados das áreas destruídas por Israel, fazendo com que a escola, uma instituição de ensino, ganhasse uma nova função: tornou-se uma instituição de abrigo. Sala de abrigo ou sala de aula?

Svetlana Aleksiévitch (2019), escritora e ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, em seu livro Last Witnesses, apresenta relatos de sobreviventes da Segunda Guerra que eram crianças na época. No livro, é relatado que, por vezes, as escolas se reestruturavam, realizando jogos e procedimentos militares, como a fabricação de armamento e exercícios de ordem unida com os alunos.

Episódios como as guerras transformam por completo toda a estrutura do sistema educacional, pois, quando os edifícios escolares não são destruídos, acabam ainda assim causando a morte de milhares de pessoas, que podem ser alunos e professores da rede pública ou privada de ensino.

Por vezes, as escolas podem fechar devido a movimentos internos dentro do próprio território nacional. Esse foi o caso, por exemplo, de junho de 1967 (e dos meses seguintes), que, segundo Traboulsi (2012), foram marcados por intensa atividade estudantil relacionada à guerra árabe-israelense, o que levou, consequentemente, ao fechamento oficial de escolas e universidades.

Um estudo publicado pelo CLS (Centre for Lebanese Studies) em 2024 apresentou os danos que crises recorrentes podem causar na aprendizagem dos alunos no país. Foram realizados exames com alunos de Matemática, Língua Árabe e Língua Inglesa. O estudo abrangeu 272 alunos de ambos os sexos em escolas públicas de cinco províncias libanesas (Monte Líbano, Beirute, Norte, Sul e Beqaa).

O resultado foi expressivo. Foram observadas deficiências em todas as províncias. Beirute e Beqaa apresentaram notas melhores, enquanto o Norte teve as menores médias nos três exames: 97% foram reprovados em Matemática, 92% em Língua Árabe e 87% em Língua Inglesa.

A principal causa, segundo o estudo, está no acúmulo de perda de aprendizagem, ou seja, crises econômicas e sociais que, nos últimos anos, interromperam o sistema educacional do Líbano, resultando na piora dos índices educacionais.

Se uma crise econômica é capaz de causar tal impacto, o que podemos imaginar de uma guerra, em que o local que deveria ser dedicado ao ensino e ao desenvolvimento cognitivo e social de crianças e jovens está sendo usado como abrigo? Um espaço que outrora era conhecido por ser o berço do crescimento educacional agora é, com o avanço israelense, o berço do medo.

Não resta dúvida de que o sistema educacional libanês enfrentará uma grave crise de aprendizagem. O Sindicato das Instituições Educacionais Privadas do Líbano realizou sua reunião mensal em 6 de novembro de 2024 e elogiou a forma como algumas escolas particulares têm lidado com a situação desde o início da guerra, procurando garantir o direito à educação dos estudantes.

Entretanto, não podemos ignorar as milhares de crianças que estão sem acesso à escola. Qual será o impacto disso na aprendizagem libanesa? Como será o futuro das crianças que observaram, dia após dia, suas escolas se transformarem em abrigos para pessoas fugindo da guerra?

Enquanto, em diversos lugares do mundo, as crianças nas salas de aula sonham em ser advogadas, médicas, engenheiras, as crianças das “salas de abrigo” sonham em simplesmente permanecer vivas. 

REFERÊNCIAS
ALEXIEVICH, Svetlana. Last Witnesses: An Oral History of the Children of World War II. 1° ed. New York: Random House, 2019.
CHAHINE, Nisrine; HAMMOUD, Mohammad; SHUAYB, Maha. The Impact of the Multiple Crises on Learning Loss Among Tenth-Grade Students in Lebanese Public Schools. Centre of Lebanese Studies, 2024.
TRABOULSI, Fawwaz. A History of Modern Lebanon. 2. ed. UK: Pluto Press, 2012.
fotos: Reuters (capa)/ Gráfico baseado no estudo “The Impact of the Multiple Crises on Learning Loss Among Tenth-Grade Students in Lebanese Public Schools” / Pinterest/ AFP
Historiador e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

5 Comments

  1. Belíssimo artigo. Parabéns meu caro Bruno!!

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  2. Excelente texto. Importante para se pensar no futuro destas crianças. Parabéns, Bruno!

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  3. Parabéns Mestre Bruno, que grande artigo.

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  4. Parabéns, Bruno, por expor mais essa consequência nefasta da invasão bárbara de Israel no Líbano e do massacre incessante efetuado contra os palestinos. Que desalento ver tanta injustiça diariamente…

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  5. Artigo incrível! Eu como professora percebo a importância de abordarmos este assunto em países que passam pela guerra. Parabéns, Mestre Bruno!

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