“O vizinho é o alienígena que vive perto de nós”.
O espaço da vizinhança não é espaço público e nem privado. É considerado um espaço intermediário, sendo que na maioria dos casos, os vizinhos não são escolhidos, uma vez que eles já existem quando as pessoas se movem e chegam novamente.
No Líbano, a vizinhança é uma irmandade não sentimental como foi descrita pelo sociólogo Max Weber, que definia o vizinho de “ajudante necessitado”. No país dos cedros, o vizinho termina fazendo parte da família, sem ser “convidado” e até mesmo “convidado por necessidade, por vergonha ou por ingerência mesmo”. Assim, a ética da vizinhança torna-se um forte conjunto de preceitos e a sua violação deixa cicatrizes profundas e duradouras nas comunidades.
A frase “Nós éramos vizinhos!” é muito ouvida em qualquer reencontro de conhecidos ou de pessoas que viveram no mesmo bairro de uma cidade libanesa ou que tenham se visto só uma vez…e de longe. Soa mais como um protesto desesperado e amargo para uma amizade.
Numa cidade como Beirute, que passou por longos conflitos, algumas instituições centrais, como museus, universidades, galerias de arte e outras, contribuíram para o desenvolvimento de certos bairros em torno delas, moldando o seu tecido, fato que, de certa forma, acabou concorrendo para um “espírito de vizinhança”, como se diz no provérbio libanês: “el jar abel el dar” – الجار قبل الدار, “antes de escolher a casa, escolha o vizinho” (trad livre).
Em tempo: há outros provérbios como –
جارك القريب ولا أخوك البعيد. الجار جار ولو جار. · الجار أولى بالشفعة. · جاور السعيد تسعد.و اللي يجاور الحداد ينكوى بناره
(melhor seu vizinho mais perto do que o seu irmão mais longe; o vizinho é vizinho, mesmo que te machuque; o vizinho é o primeiro a acudir; se o vizinho está feliz , você também estará, e quem tem um vizinho triste, será atingido pela sua tristeza. (trd. livre)
Um outro elemento muito significativo acaba entrando nessa equação é a participação de migrantes e imigrantes, que trazem e reproduzem a sua cultura para suas novas localidades, forjando, assim, as fronteiras desses bairros nas metrópoles.
Por fim, falar da vizinhança no Líbano, temos que nos referir à varanda, balcão ou sacada das residências, parte fundamental da vida libanesa. Lá, as pessoas tomam café da manhã, almoçam, jogam gamão, observam o crepúsculo e, é claro, penduram suas roupas molhadas para secar.
De um modo ou outro, a varanda no Líbano é o fio unificador de uma “aglomeração”, ao mesmo tempo, glamourosa e brega, que desvela espaço social – local privado de introspecção e reflexão, meio de comunhão do habitante urbano com a natureza.
As varandas do Líbano tornaram-se invariavelmente testemunhas oculares das complexidades da vida e momentos decisivos que nos fazem quem somos. Elas são a celebração da sobrevivência, da diversidade e da resiliência de um povo procurando sua história debaixo dos escombros da uma terrível explosão.
© Revista Libanus
8 Comments
Enquanto os países ocidentais são acometidos por uma epidemia da solidão, é um alento o espírito de vizinhança continuar vivo no Líbano, onde a solidariedade ganha importância crescente a cada dia.
Obrigado Thaïs, pelo gentil e oportuno comentário.
Interessante artigo falando sobre a importância do vizinho.
Eu fui criada no meio dessas crenças e tradições de pertencimento e de zelo.
Apesar da brutalidade da guerra, a convivência e o zelo com vizinhos e vizinhança continuam sendo respeitados e vividos.
Interessante comentário, Marie. Obrigado pela leitura.
Sem dúvida: melhor seu vizinho mais perto do que o seu irmão mais longe.
Isso mesmo. Obrigado pelo comentário, Vera.
Artigo interessante que nos leva ao passado tenho 78 anos e mantenho amizades com pessoas desde criança. Insha Allah isso dure ate que eu viva. Alhamdulila tenho amigos e Mabrook a está rica revista Libanus
Obrigado pelas palavras e por nos acompanhar.