“Mastigado na gostosura quente de amendoim… Falado numa língua curumim; (…) Porque é o meu sentimento pachorrento, porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”
(Mário de Andrade)
A experiência de mastigar e saborear alimentos está profundamente enraizada na memória e no afeto humano. Assim como Mário de Andrade celebra o simples ato de degustar amendoins na cultura brasileira, no Líbano, os “Mkassarat” (مكسرات) – uma rica variedade de nozes, pistaches, sementes e grãos torrados – são símbolos de convivência, hospitalidade e tradição.
Localizada em um grande porto ao final de uma antiga rota comercial, Beirute tornou-se, há mais de 400 anos, um ponto de encontro para os melhores sortimentos do mundo. Essa posição privilegiada fez com que os “Mkassarat” se tornassem não apenas uma iguaria, mas um pilar da cultura libanesa. Em encontros familiares, reuniões de amigos ou mesmo em ocasiões de negócios, é comum que os libaneses se reúnam em torno de uma mesa repleta de pistaches, sementes de abóbora e grãos torrados, acompanhados de um café forte e aromático.
Imagine uma tarde típica em Beirute: um terraço ensolarado, familiares e amigos conversando animadamente, enquanto mãos distraídas mergulham em tigelas coloridas de nozes e pistaches. O som das cascas sendo quebradas, o aroma do café fresco e as risadas criam uma sinfonia de convivência. Como dizem os libaneses, “a vida acontece entre um gole de café e um punhado de Mkassarat.”
UM LEGADO DE TRADIÇÃO E SABOR
A tradição dos “Mkassarat” também se entrelaça com a história de empreendedores visionários. Em 1880, a empresa Hamasni foi fundada e rapidamente tornou-se sinônimo de excelência na torrefação de sortimentos. Décadas mais tarde, Moussa Rifai, aprendiz na Hamasni, fundaria sua própria marca em 1948, dando origem à renomada Al Rifai. Essas empresas não apenas perpetuaram o legado dos “Mkassarat“, mas também modernizaram o setor, desenvolvendo técnicas de torrefação que se tornaram referência internacional.
O segredo do sabor irresistível dos “Mkassarat” libaneses não está na origem das nozes – muitas delas vêm da vizinha Síria ou de países distantes, como o Brasil, fornecedor de castanhas –, mas no processo meticuloso de torrefação. Combinar fogo, sal, especiarias e o tempo exato de assar tornou-se uma verdadeira arte.
OS “MKASSARAT” AO REDOR DO MUNDO
Para muitos libaneses, as nozes torradas carregam um significado que vai além do sabor: são presentes que simbolizam amor, cuidado e nostalgia. Não é raro ver malas de viagem carregando 5 quilos de pistaches, nozes e castanhas, embalados a vácuo, rumo às casas de familiares que vivem no exterior.
No Brasil, a tradição também ganha espaço. Lojas especializadas e supermercados já oferecem produtos importados do Líbano, muitas vezes procurados por descendentes de libaneses que buscam uma conexão com suas raízes. Para Ana Khoury, brasileira de ascendência libanesa, o cheiro das nozes torradas remete à infância e às visitas aos avós em Zahlé. “Ter uma bandeja de pistaches e café na mesa é como estar em casa novamente”, conta ela.
UMA MARCA CULTURAL E EMOCIONAL
Mais do que alimentos, os “Mkassarat” são pedaços de memória coletiva. Do comércio histórico de Beirute às mesas ao redor do mundo, eles simbolizam hospitalidade, celebração e pertencimento. No Líbano, as sementes e nozes vão além de alimento: são uma terapia crocante que alivia mágoas, dissolve ansiedades e promove serenidade. Pistaches, nozes, amêndoas e macadâmias simbolizam partilha e acolhimento, espalhando-se pelas ruas, bares e lares, marcando a cultura e a alma de quem as prova.
© Revista Libanus