“Você me salvou de todas as maneiras que alguém pode ser salvo.” (do filme Titanic, 1997).
O naufrágio do Titanic, há mais de um século, permanece um dos eventos mais emblemáticos e trágicos da história moderna. Símbolo de ambição e desastre, o Titanic não apenas marcou a memória coletiva como também moldou histórias de milhares de pessoas, incluindo 165 libaneses que embarcaram no navio com sonhos de uma nova vida.
Em junho de 2023, a tragédia voltou a assombrar os mares com o submersível Titan. Os cinco passageiros que morreram em uma “catastrófica implosão” durante a expedição ao local do naufrágio reforçaram os riscos de explorar as profundezas do oceano. Essa nova tragédia reacendeu o fascínio e os debates sobre o Titanic, lembrando que o gigante dos mares ainda guarda segredos e histórias que transcendem gerações.
Os libaneses no Titanic: sonhos interrompidos
O RMS Titanic partiu de Southampton, Inglaterra, rumo a Nova Iorque, em 10 de abril de 1912, levando a bordo mais de 2.200 passageiros e tripulantes. Entre eles, estavam 165 libaneses, vindos de aldeias como Hardeen, Trípoli, Zahle e Bint Jbeil, em busca de oportunidades no Novo Mundo. Mais de 100 desses imigrantes perderam a vida no desastre. Apenas 23 sobreviveram.
Essa faceta da tragédia foi meticulosamente documentada por Michel Karam no livro Lebanese on the Titanic. Ele relata as razões que levaram esses homens e mulheres a embarcarem no transatlântico, além de histórias de coragem e sofrimento que marcaram aquela fatídica noite de abril.
Um dos relatos mais comoventes é o de Silena Dagher, recém-casada, que viajava com seu marido, Antoun Yazbeck. Quando tentaram embarcar em um bote salva-vidas, um oficial apontou uma arma para a cabeça de Antoun, forçando-o a ceder o lugar. Silena nunca mais o viu.
Outro sobrevivente foi Moubarak Assi, diácono do patriarca maronita Elias Howayek. Ele escapou da morte graças à compaixão de uma passageira estrangeira, que o escondeu sob suas saias em um bote salva-vidas. Segundo Moubarak, ele testemunhou um momento de heroísmo e solidariedade inusitados: os homens de sua cidade natal, Hardeen, alinharam-se e começaram a dançar dabkeh, uma dança folclórica libanesa, enquanto o navio afundava. De mãos dadas, ombro a ombro, escolheram encarar a tragédia com a dignidade de suas tradições.
Outro relato pungente é a história de Hanna Touma, um jovem apaixonado por Zahiyya Khalil, de sua aldeia. Os pais dela se recusaram a deixá-los viajar juntos sem antes se casar no Líbano. Conta-se que tiveram sua festa de casamento a bordo do Titanic, celebrando o amor em meio ao luxo do transatlântico. Infelizmente, ambos morreram no naufrágio, unidos até o fim.
Hoje, um museu foi dedicado às vítimas libanesas do Titanic. Entre os destaques está um modelo do navio e uma placa comemorativa com os nomes dos libaneses que perderam a vida na tragédia. Este memorial serve para preservar as histórias de coragem e sacrifício dos imigrantes, cujo desejo de recomeçar no Novo Mundo ficou interrompido nas águas geladas do Atlântico Norte.
O impacto e as lições do Titanic
O Titanic, com sua aura de tragédia e grandiosidade, não apenas simboliza o erro humano e a vulnerabilidade diante da natureza, mas também carrega histórias de sacrifício, esperança e coragem. Os 165 libaneses que embarcaram no Titanic são um reflexo da diáspora libanesa, marcada pelo desejo de superar adversidades e construir novas trajetórias.
Hoje, o local do naufrágio é visto como uma tumba sagrada. A tentativa de explorá-lo com o submersível Titan serve como um lembrete dos limites da tecnologia e do respeito que devemos à memória daqueles que ali descansam.
O Titanic continua sendo uma poderosa metáfora da condição humana: o sonho grandioso, o erro fatal e as lições que, ao longo do tempo, ainda buscamos compreender.
© Revista Libanus
fotos: pinterest/alamy/ Illustração – Willy Stower / stills do filme Titanic de James Cameron/ abeesaab – familia shaneene/ silenadager
