“A ferida não se cicatrizou, a dor não se atenuou, a tristeza não findou e o ciclo não se fechou; mas quando a paciência chegou, o fogo abrandou, esfriou o leite e depois o fermentou; fez o tempo escorrer soro pelo pano, coalhou as horas, remediou as mágoas, curou as angústias e um novo destino criou”.
A coalhada seca é um dos aperitivos mais populares do Líbano. É servida como prato desacompanhado, dentre tantos outros ao seu redor, ou simplesmente é estendida e espalhada num sanduíche de pão árabe, mas sempre regada com muito azeite e adornada com hortelã. A coalhada seca se encontra no imaginário coletivo da gastronomia libanesa: lá está ela altiva, branca, nutritiva e associada ao elenco dos aperitivos da famosa “mezze” do Líbano.
Reza a lenda que a artista e dançarina libanesa Badia Masabni (1892-1974), famosa no Egito, abriu uma loja de laticínios na estrada Beirute-Damasco (entre Jdita e Chtaura) e começou a vender os primeiros e famosos sanduíches de coalhada seca (Arous Labani) para os transeuntes, os viajantes e os caminhoneiros.
Para muitos, a coalhada seca é mais do que um alimento; é um símbolo de tradição, de memórias compartilhadas ao redor da mesa e de valores transmitidos através das gerações. O ritual de preparo, com o leite sendo transformado lenta e cuidadosamente, reflete a importância do tempo e do cuidado nos processos da vida. Cada etapa é carregada de significados, desde a fervura do leite até o momento em que o soro escorre e o resultado final é revelado.
Hoje, em um mundo onde tudo parece correr em alta velocidade, a paciência evocada pela coalhada seca nos ensina a valorizar os momentos de espera e reflexão. Há algo de profundamente restaurador em permitir que o tempo siga seu curso, confiando no processo e acolhendo os frutos de nosso empenho e dedicação.
A história da coalhada seca também se entrelaça com as jornadas das comunidades libanesas que emigraram para diferentes partes do mundo. Seja em um pequeno vilarejo nas montanhas do Líbano ou em uma metrópole distante, a coalhada seca preserva a identidade cultural e reforça os laços entre os membros da comunidade. Seu sabor familiar é um elo com as raízes, um lembrete de casa e da importância de nutrir tanto o corpo quanto a alma.
Como nos ensina a tradição, a paciência é o principal ingrediente da coalhada seca, mas é também a solução para muitos desafios da vida. Nos tempos de hoje, essa virtude é a chave para atravessarmos os momentos difíceis, cultivando esperança e resiliência.
E assim, como disse a avó libanesa, a paciência é a solução para se fazer e obter a coalhada, e é também a saída para se viver nos duros e estranhos tempos de hoje.
© Revista Libanus
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